segunda-feira, 31 de agosto de 2015

De olho no estranho - Patrícia Zaidan


O sol das 13 horas torra o Largo da Batata, em São Paulo. A jornalista Adriana Negreiros, 40 anos, e o diretor de arte Daniel Motta, 34, cada um no seu banquinho, contemplam o frenesi dos pedestres em vaivém. Ao lado deles há um cavalete em que se lê: "Olá, venha aqui e fale com estranhos". Em menos de uma hora, três pessoas aceitam o convite para contar algo diante da câmera operada por Daniel. Rapidamente, Adriana estabelece uma relação de confiança com o interlocutor. Não é fácil se manter em silêncio diante dessa mulher cativante que arrancou segredos eróticos da cantora Sandy, fez chorar o ex-governador gaúcho Tarso Genro e ouviu da ex-ministra Zélia Cardoso a queixa por ser lembrada só como a vilã que sequestrou a poupança dos brasileiros em 1990. A repórter, que já escreveu para Playboy e Claudia, agora crava seus olhos cúmplices nos olhos de anônimos. "Gosto muito de escutá-los, porque falam sem o filtro de assessores e não dão respostas previsíveis", explica. A cada dia, desde 3 de novembro passado, um depoimento colhido na rua é postado no site falecomestranhos.com.br, um projeto da dupla, que deixou a vida corporativa para arriscar novas aventuras. O resultado é um mosaico de tipos que traz, para quem assiste, alento, inspiração e diversão - alguns casos são mesmo hilários.

A linguagem segue a pista do documentarista Eduardo Coutinho (1933-2014) e tem semelhanças com um trabalho do cineasta americano David Lynch. Mas o espírito da coisa é de um projeto anterior de Daniel, que um dia pôs uma urna na rua com um aviso: "Me dê um conselho". Ele reuniu em livro as frases depositadas ali. "Tinha de todo tipo, até quem sugerisse: "Considere o suicídio como opção. Não há nada de errado nisso", conta Daniel. Ele, então, percebeu "que as pessoas estão carentes demais e dispostas a falar". A dupla criou uma produtora de conteúdo e logo concebeu Fale com Estranhos com base naquela experiência. "Estamos interessados na verdade dos desconhecidos, no jeito de enfrentar problemas, na criatividade e na sinceridade para ver os sentimentos", diz Adriana. Nos vídeos publicados, um cozinheiro confessa assassinato, uma moça conta ter sofrido abuso sexual, um gay se vê incomodado com a insistência do pai para que transe com mulheres. Mas há também os otimistas, como o professor que espera um ensino público capaz de encantar os alunos, o homem que sonha em ser cantor e torce para o vídeo cair na mão de um caça-talentos, outro que abriu uma firma para lavar carros com apenas um copo de água ou gente que insiste em procurar o grande amor.

Não, Daniel e Adriana não têm patrocínio cultural, mas adorariam receber um. Por enquanto, bancam tudo. Quando perguntados se os vídeos virarão um longa-metragem, o diretor responde: "Se acontecer, é porque o documentário se revelou diante de nós". A parceira brinca: "Ele vai ter que sentar no banquinho bem aqui na nossa frente". Até lá, os depoentes vão curtindo o efeito catártico. "Pôr para fora faz um bem enorme", diz Terezinha, que acaba de relatar, no Largo da Batata, sua saída, "com uma mão na frente e outra atrás, mas digna", de um casamento terrível. A dupla registra. E seguirá gravando no centro de São Paulo e de outras cidades.



(texto publicado na revista Claudia nº 1 - ano 54 - janeiro de 2015)

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