Primeiro estrangeiro a se tornar diretor da Galeria Uffizi, Eike Schmidt planeja fazer profundas mudanças no local
Eike Schmidt, o primeiro estrangeiro a assumir o posto de diretor da Galeria uffizi, tomou uma decisão que lhe pareceu lógica: em março, instalou alto-falantes ali para alertar o público da ameaça dos cambistas e batedores de carteira, de olho nos turistas que enfrentam as longas e constantes filas na porta do museu mais popular da Itália, famoso por guardar tesouros magníficos de Botticelli e Rafael.
Só que nem todo mundo se sentiu agradecido: dias depois, três policiais, com repórteres a tiracolo, chegaram à sua mesa e lhe entregaram uma multa de 290 euros por "fazer anúncio sem a devida autorização". "A princípio, fiquei meio bravo, mas logo entendi que era uma oportunidade que não podia perder e anunciei que pagaria do meu próprio bolso", conta o historiador de arte alemão. No dia seguinte, quando deveria fazer o pagamento, os jornalistas estavam lá, tirando fotos para transformá-lo em celebridade local instantânea. Os florentinos começaram a se aproximar de Schmidt na rua para expressar sua solidariedade.
As reações tão dispares ao experimento do alto-falante mostram que Schmidt tem que enfrentar um desafio fundamental. Enquanto briga para administrar o público, gerar mais renda e melhorar a experiência - que inclui um sistema de compra de ingressos caótico -, será que continuará a angariar a simpatia geral e levar a melhor contra uma avalanche de restrições burocráticas, interesses velados e intrigas políticas?
No ano passado, a Uffizi, o Palácio Pitti e os Jardins de Boboli se transformaram em uma única entidade, visitada por 3,4 milhões de pessoas, resultando em 17,3 milhões de euros em vendas de ingressos ao governo, tornando-o o museu mais rentável do país. O objetivo de Schmidt é melhorar o fluxo do museu, fazer uma boa reforma, agilizar um organograma de exposições caótico, criar um programa sério de bolsas de estudo e descobrir formas inovadoras de expor mais de 12 mil pinturas, 3,5 mil esculturas antigas e 180 mil desenhos e gravuras, incluindo trabalhos latino-americanos reunidos ao longo dos séculos, mas raramente mostrados.
Schmidt, 48 anos, que era curador do Instituto de Arte de Minneapolis, em Minnesota, foi contratado no ano passado, como parte de uma reforma radical que deu a vinte instituições nacionais maior autonomia em relação ao Ministério da Cultura, em Roma, que é quem o mantém e fornece funcionários.
No que foi considerada uma atitude ousada, a pasta abriu as diretorias, pela primeira vez, a candidatos internacionais, o que acabou resultando na contratação de sete estrangeiros. Schmidt, estudioso da coleção Médici que forma a base da Uffrizi, já tinha morado em Florença. A intenção da reforma, levada a cabo pelo ministro Dario Franceschini, era reciclar talentos e dar a esses "supermuseus" - incluindo o Capodimonte de Nápoles, a Pinacoteca de Brera de Milão e a Accademia de Veneza - mais controle sobre seus orçamentos, mostras, serviços como cafés e livrarias e mais autonomia em um momento em que a economia nacional está estagnada.
Em uma reunião com os funcionários, Schmidt discutiu, em italiano fluente, como abrir ao público uma das atrações mais valiosas do museu: um corredor projetado por Giorgio Vasari, artista e escritor italiano do século 16. Atualmente, está reservado apenas a turnês de grupos pequenos, organizadas por empresas particulares que quase sempre ganham mais que o museu. Com a mudança, porém, vem a resistência. As empresas que organizam os passeios não querem perder a fonte de renda.
Franceschini, o ministro da cultura, se disse satisfeito com a maneira com que as mudanças vêm ocorrendo. "É claro que uma reforma tão profunda enfrentará resistência. Se forem reais, vão desagradar mesmo, se todo mundo gostar, é porque são falsas", afirmou, em entrevista em Roma.
(texto publicado no jornal O Estado de S. Paulo de 31 de agosto de 2016)
Nenhum comentário:
Postar um comentário