Com medo do vírus zika e da imundície das águas cariocas, delegações estrangeiras criam uniformes especiais para proteger seus atletas
Os Jogos Olímpicos são uma extraordinária oportunidade para que os fabricantes de trajes esportivos exibam novidades tecnológicas capazes de melhorar a performance dos atletas. A Olimpíada do Rio não deixará de ser uma vitrine para esse segmento, mas por um motivo constrangedor para o Brasil. Estilistas e engenheiros convocados para se debruçarem sobre a indumentária das delegações foram obrigados a lançar mão do conhecimento científico para elaborar trajes capazes de proteger os atletas das ameaças extraesportivas que terão pela frente na cidade-sede da 31ª edição dos Jogos da Era Moderna: as doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti e a poluição das águas cariocas.
Em abril deste ano, a equipe olímpica sul-coreana desfilou o seu "uniforme antizika", um conjunto formado por calças, camisas de manga longa e casaco feitos de um tecido providencialmente embebido numa solução que repele o inseto, transmissor também da dengue e da chikungunya. Os asiáticos não divulgaram, mas provavelmente utilizaram uma substância chamada permetrina, que já demonstrou eficácia em afastar o Aedes aegypti e resiste a até 100 lavagens. Os trajes deverão ser usados pelos atletas sul-coreanos nas cerimônias de abertura e encerramento.
Por incrível que pareça, no entanto, nas condições atuais, o zika deve ser a menor das preocupações. A Olimpíada ocorrerá em agosto, quando a circulação do mosquito é naturalmente inibida pelas condições climáticas, fazendo com que caia o risco de contágio. Não por acaso, a exemplo do que já fizera o prefeito Eduardo Paes em entrevista a VEJA, o presidente do Comitê Organizador da Rio 2016, Carlos ARthur Nuzman, criticou os golfistas que anunciaram ter desistido da Olimpíada por causa do vírus. "A zika é pior na Flórida (Estados Unidos) do que no Brasil hoje. E os golfistas estão jogando na Flórida", declarou ele em uma palestra. "Eles não estão vindo porque não haverá premiação em dinheiro." O golfe está fora dos Jogos Olímpicos há 112 anos, ou seja, desde 1904, quando a competição foi realizada em Saint Louis, nos Estados Unidos. O tenista brasileiro Bruno Soares tem usado as redes sociais para ironizar os jogadores desse esporte que não vêm à Olimpíada sob o mesmo pretexto. "Minha esposa pediu para eu lavar as roupas hoje. Não o farei por causa do Zika #EfeitoZika", tuitou ele.
Se a ameaça vinda do ar pode ser considerada baixa, o mesmo não é possível dizer dos riscos escondidos nas águas. Assim, no fim do mês passado, a equipe americana de remo apresentou ao mundo seu "uniforme antipoluição". O traje será utilizado na contaminada Lagoa Rodrigo de Freitas, que, além daquela modalidade, abrigará as provas de canoagem de velocidade. Os novos uniformes, compostos de bermudas, calças, regatas e tops esportivos, funcionam como uma segunda pele, em duas camadas. A primeira impede que a água entre em contato com a superfície do corpo do desportista; a outra é revestida de um material de ação antimicrobiana. "Apesar das boas intenções dos especialistas, é improvável que a estratégia dos Estados Unidos tenha algum efeito prático na prevenção de doenças", diz o infectologista Artur Timerman, presidente da Sociedade Brasileira de Dengue e Arboviroses. Não se trata de pessimismo por mais que o tecido sintético receba um tratamento especial, os atletas de remo e canoagem ainda terão áreas do corpo descobertas, como os braços e principalmente o rosto. Ao contrário do que se imagina, a pele não é a única via de acesso dos patógenos. O risco de infecção também ocorre devido à ingestão ou inalação acidental de água poluída.
Infelizmente, a promessa de saneamento de 80% do esgoto despejado na Baia de Guanabara foi riscada das metas olímpicas. De acordo com uma investigação independente realizada pela agência de notícias Associated Press, as águas cariocas possuem níveis alarmantes e perigosos de microorganismos. Além de coliformes fecais, foram encontrados vírus e bactérias multirresistentes. Esses agentes são capazes de provocar infecções estomacais agudas, que causam vômito e diarreia, ou até problemas mais graves, como meningite, pericardite (inflamação da membrana que envolve o coração) e hepatite. Resta torcer para que, se as armaduras olímpicas não funcionarem, o fortalecido sistema imunológico dos esportistas seja capaz de resistir. E que os brasileiros possam superar a vergonha de oferecer águas poluídas aos atletas.
(texto publicado na revista Veja edição 2488 - ano 49 - nº 30 - 27 de julho de 2016)
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