sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Basta: a culpa nunca é da vítima - Tayonara Géa


O estupro é crime independente da roupa ou do comportamento da mulher

Dados de uma pesquisa encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública causam arrepios, calafrios, repúdio, revolta - entre outros adjetivos que possam demonstrar o descalabro de uma sociedade que ainda defende o machismo - diante da quantidade de brasileiros que julga e condena a mulher pelo estupro que sofreu - uma em cada três pessoas, ou seja, 30%.

Diante desse dado lamentável, questiona-se como um ser humano consegue apontar o dedo para uma vítima que acabou de ser violentada - em muitos casos por pessoa conhecidas, seja um familiar, colega de trabalho e até mesmo pelo namorado ou marido?

É preciso dar um basta a essa cultura do machismo. Já passou da hora. A mulher tem o direito de vestir a roupa que desejar, de frequentar os lugares que quiser, de se comportar da maneira que lhe achar conveniente e, acima de tudo, de ser respeitada. Ou até quando veremos as estatísticas desse tipo de crime aumentar no país?

Leia e entenda

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública explicita que a violência contra a mulher, definida pela ONU (Organização das Nações Unidas), é qualquer ato de violência de gênero que resulte ou possa resultar em dano físico, sexual, psicológico ou sofrimento para as mulheres.

E o estupro é sim um ato de violência, humilhação e controle sobre o corpo da mulher que se expressa pelos meios sexuais. As consequências desse ato estúpido são depressão, ansiedade, fobias, uso de drogas ilícitas, entre outros.

Não cultue o machismo

Ao citar que o comportamento da mulher ou a roupa que ela veste pode ser o motivo para ocorrer o estupro, a pessoa está, simplesmente, cultuando o machismo.

Para a pesquisadora do Fórum, Roberta Astolfi, "muitas pessoas são contra o machismo, contra o estupro, mas a partir do momento que julgam as mulheres pela vestimenta ou comportamento, estão inseridas nessa cultura de que o corpo da mulher e a sua vida podem ser controladas por outras pessoas. É preciso que ocorra a mudança desse paradigma".

Elas contra elas?

Cerca de 85% do sexo feminino tem medo de ser vítima de agressão. Um dado contraditório quando se observa que 32% das mulheres concorda que "aquelas que se dão ao respeito não são estupradas" e 30% afirma que "a mulher que usa roupas provocativas não podem reclamar se for estuprada".

Para Roberta Astolfi, a porcentagem das mulheres que concordam ser a mulher culpada pela violência que sofre, é muito chocante. "Trata-se de uma questão cultural que permeia toda a sociedade. As pessoas não percebem que por meio dessa cultura subjacente, elas podem ser as próximas vítimas. As mulheres dizem que têm medo, mas culpam aquelas que já foram vítimas e isso ocorre porque é muito mais fácil distorcer a ação do outro", diz.

A favor delas

Uma vítima de estupro precisa de atenção e acolhimento. Mas pelo que relata a pesquisa não é isso que recebem. Primeiro pela culpa que recebe da sociedade e depois por se tornar novamente vítima do descaso da polícia, quando se apresenta para fazer o registro da violência - 50% das pessoas não acredita que a polícia militar esteja bem preparada para atender mulheres vítimas de violência sexual.

"Em 2014 foram mais de 47 mil denúncias de estupro no Brasil. Isso mostra que a mulher quer contar com a ajuda da polícia nesse momento. É por isso que deve haver uma mudança nessa instituição para melhor atender essa vítima", comenta Roberta.

O que mudar?

Abolir a cultura do machismo é apenas um passo para diminuir o número de estupros no Brasil. Mas outras maneiras devem ser adotadas, segundo Roberta Astolfi. "Recentemente tivemos a opção de incluir a questão de gêneros no currículo das escolas, mas em muitas cidades foi barrado. Se você perguntar se essas pessoas são contra o estupro, elas dirão que sim. Porém, elas não estão dispostas a mexer nessas questões culturais. É preciso trabalhar esse assunto nas unidades de ensino. Existe uma vontade de mudança, mas se não mudar a cultura e o aprendizado de fundo, não vai adiantar muito", explica a pesquisadora.




(texto publicado na revista Folha do Ônibus nº 742 - ano XXI - 23 a 29 de setembro de 2016)

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