Se a pergunta é errada, dificilmente teremos uma resposta certa. Com uma pergunta vaga sobre a remuneração dos mestres, as muitas respostas geram imensa cacofonia. Penetremos nesse pantanal.
Primeiro, em que níveis de ensino? E que professores? Onde? As variações são enormes. O salário inicial no Rio é maior que o de outras profissões. Em outros lugares, é miserável. E, na verdade, não há relação clara entre o salário do professor e o que aprendem os alunos. O Amapá tem um dos salários mais altos e piores performances. Minas paga abaixo da média e seus resultados estão entre os melhores.
No geral, os salários desapontam. E, sobretudo, não atraem as melhores cabeças para ensinar em escolas públicas, cujo astral tende a ser péssimo. Comparações com outras profissões mostram resultados confusos. Os salários são até competitivos, se tomamos a remuneração por hora. O outro lado da equação é quanto custa para o Erário pagar aos professores. Em termos internacionais, gastamos bastante. Ajustando os dados para diferenças de custo de vida, enter 35 países (ricos ou quase), estamos pouco abaixo da média, havendo sete com melhor desempenho no Pisa, com salários mais baixos. Gastamos muito e pagamos pouco? Por quê? O mistério é desvendado pela coleção de burrices nas fórmulas de remuneração.
No passado, após trabalharem 25 anos, os brasileiros não estavam muito longe do fim de sua vida. Mas hoje, aposentados com 50 anos, ou menos, os professores têm uma esperança adicional de vida próxima de 25 anos. Ou seja, na média, eles passam tantos anos aposentados quanto ensinando. E, ao contrário do que acontece na maioria dos países, aposentam-se com o mesmo salário. Em alguns estados, a conta dos aposentados já é maior que a dos ativos. Aumentando a idade da aposentadoria e fazendo o seu valor mais modesto, dobraríamos os salários.
Durante os seus 25 anos no ensino, os professores estão sob regras aparentemente generosas, mas no fundo perversas. Os 45 dias de repouso subtraem 37,5 meses. As licenças-prêmio, a cada cinco anos, tiram mais doze meses. Os 25 recessos natalinos reduzem a carreira em 8,3 meses. Dez faltas anuais por saúde somam 8,3 meses. Em comparação com um empreguinho CLT, são seis anos a menos de trabalho, ou seja, os professores trabalham o equivalente a dezenove anos.
Quem fizer mestrado e doutorado poderá sair da aula por 72 meses. Duas gestações rendem doze meses. Quatro candidaturas a vereador dispensam da aula por mais doze meses. Ou seja, quem usar todas as dispensas legais deixará de ensinar por 13,5 anos. Esse seleto grupo trabalha 11,5 anos na sala de aula e recebe durante 38,5 anos (13,5 + 25 anos). Ótimo para eles, mas quem paga a conta?
Pelo menos na teoria, alguém tem de substituir os faltantes. Isso é custo e, no total, não é pouco dinheiro. Dentro da carreira, mestres e doutores ganham maiores salários, apesar de estar cabalmente demonstrado que tais diplomas não melhoram o rendimento dos alunos.
Ser um educador eficaz em sala de aula não traz promoções nem salário. Em contraste, como os professores são estáveis, com completa impunidade, podem ser péssimos a vida toda. Ao fim do segundo ano, já se sabe quem não nasceu para a sala de aula. Pela lei, os professores podem ser dispensados. Mas ficam praticamente todos. Por que será?
Some-se a isso o excesso de professores pendurados nas burocracias das secretarias. Há muitos perdidos em outras burocracias, fantasmas e falecidos. E as greves? Pouco se logra medir as ausências provocadas por elas, mas são enormes.
Como se acumulam repetências, gasta-se mais. Se todos aprendessem, os salários poderiam aumentar muito, com o mesmo orçamento. Somando todos os desencontros, há o paradoxo do professor ganhando pouco e o governo gastando muito. E a injustiça dos ótimos ganhando o mesmo que os péssimos. Pergunto aos professores: é esse o sistema que vocês querem? E, se não é, por que não reclamam? Por que não se queixam aos sindicatos?
(texto publicado na revista Veja edição 2488 - ano 49 - nº 30 - 27 de julho de 2016)
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