sexta-feira, 28 de outubro de 2011

"Escola da vida" criada em Londres planeja versão brasileira

A School of Life tem um objetivo ambicioso: o de mudar o mundo. Mas não incita seus alunos a discutir política nem a realizar alguma coisa efetivamente. Na "escola da vida" criada pelo filósofo Alain de Botton, mudar o mundo significa mudar o seu próprio mundo, por meio de conversas que vão de "como ser 'cool'" até "como dosar trabalho e vida", passando por "como fazer o amor durar".
Foi nessa última aula que eu fui parar em uma quinta-feira de verão em Londres. Pela fachada discreta da casa localizada no bairro de Bloomsbury, desavisados podem supor que se trata de uma pequena livraria que aposta em títulos bem-humorados e de autoajuda.

A aula estava marcada para as 19h30. Meia hora antes, começaram a chegar os primeiros dos 30 alunos inscritos (ao custo de 30 libras, cerca de R$ 90). Em clima informal, todos comem sanduíches, tomam vinho, enquanto travam conversas sobre "o que você faz?".
Pontualmente, para não perder a fama britânica, os alunos se dirigem a uma sala no andar inferior da escola. O professor David Water se apresenta, dizendo que já foi jornalista de moda, até que se cansou do mundinho e resolveu se aprofundar em temas universais.

Adesivos servem de decoração da "School of life" em Londres

Munido de uma apresentação de Power Point, começa a mostrar estatísticas sobre os desafios do amor: apenas 10% dos casais que se juntarem hoje vão chegar às bodas de diamante (60 anos) em 2070, enquanto 45% vão morrer até lá. "A gente idealiza muito, o tempo todo. As relações têm de ser tão perfeitas que parecem religião", diz o professor. A aula segue dividida em tópicos sobre compromisso, solidão, diferenças, sexo, conversas, arte de amar e de espalhar o amor pelo mundo. Mas a aula não fica apenas nas apresentações, o professor também passa exercícios aos seus alunos: vire-se para o lado, conheça seu colega e discuta se, quando está numa relação, você dá o mesmo peso a amor, amizade e sexo. É preciso ter equilíbrio? Ou dá para viver mais com um, menos com outro? 

Ao meu lado estava Anthony Tan, um engenheiro de tecnologia da informação de 31 anos. Ele foi levado à School of Life pela namorada, Gwen, que soube do espaço pelos colegas de trabalho. "Para mim é bem difícil falar abertamente desse assunto com estranhos. Achei interessante ouvir toda a tagarelice", diz, referindo-se, talvez, ao fato de a sala contar com 27 mulheres e três homens.
"Só achei que as conversas foram meio nervosas, fragmentadas." Passado um mês, Anthony reflete: "Filosofando, acho que me dei conta do que uma vida amorosa significa. É difícil medir se minha vida melhorou depois da aula, mas certamente eu estou mais atento a ela".

NÃO SOMOS GURUS

Nos primeiros dois anos (a escola foi criada em 2008), mais de 8.000 pupilos participaram de aulas na School of Life, segundo Alain de Botton, 41, suíço radicado em Londres. Acrescentando palestras, encontros na rua, sermões dominicais e outras atividades, o número já chega a 40 mil, diz ele. "Temos um retorno excelente. Geralmente as pessoas dizem que, em uma grande cidade solitária como Londres, elas nunca têm a chance de falar de uma maneira sincera e profunda com outras pessoas. Isso é tocante", diz o filósofo.

O sucesso se dá, na opinião de Botton, porque a escola aborda problemas que fazem as pessoas sofrerem. "Morte, dinheiro, amor, trabalho e família. Esses são os problemas centrais que afligem as pessoas, e nossas aulas, programas e projetos circulam em torno desses grandes desafios. Estamos desesperados para conseguir respostas para os terríveis dilemas e tragédias que enfrentamos", diz.
A ideia de criar a School of Life foi uma maneira de levar o que Botton já fazia na literatura para o mundo físico, em três dimensões. "Em meus livros, eu sempre me interessei em olhar como a cultura pode nos ajudar a viver. Em 'Como Proust Pode Mudar a Sua Vida' (de 1998) e em 'As Consolações da Filosofia' (de 2001), por exemplo, explorei como grandes textos da tradição ocidental podem nos ajudar a entender os desafios e os dilemas da existência hoje."

A equipe que trabalha na School of Life é formada por acadêmicos e escritores que decidiram apostar em algo menos formal. "Nós não somos gurus e nem sempre somos otimistas. Há um pouco de melancolia e de escuridão nos temas que debatemos. Nesse sentido, estamos mais perto do espírito da religião, embora 
sejamos totalmente mundanos."

NO BRASIL

Cansado de apenas escrever -- oito livros ao longo de quase 20 anos de carreira; o primeiro, "Ensaios de Amor", foi lançado quando ele tinha apenas 23 anos --, Botton deixou seu lado empreendedor aflorar. Antes disso, ele nunca precisou trabalhar efetivamente, porque é herdeiro de um dos maiores financistas da Suíça.

"Minha tentativa é colocar as necessidades da alma em um contexto de negócios. Não é uma ideia vulgar, mas intelectual. Por que o capitalismo tem de entregar apenas coisas superficiais? Ele não pode almejar profundidade?", questiona.

Para tentar chegar a esse cenário, Botton e sua equipe têm grandes projetos. "Nós queremos ser o provedor número um de 'boas ideias para vida cotidiana'", diz. Entre os planos está o de abrir uma empresa multinacional para administrar aulas, organizar conferências, publicar livros, fazer filmes, 
gerenciar hotéis e spas dedicados ao "esclarecimento emocional", além de comercializar produtos como jogos e até artigos de papelaria. Filósofos apegados à tradição podem se contorcer diante do projeto. Mas isso não o intimida.

Além da escola em Londres, a ideia é crescer e abrir outras unidades pelo mundo. Uma delas em São Paulo. "Além de Seul, Istambul, Sydney e Vancouver -todas elas grandes cidades do futuro." Botton não dá mais detalhes sobre a vinda da School of Life para São Paulo por questões contratuais. Mas adianta que, em novembro, uma versão de sua escola da vida aportará por aqui.
"Como sua prima no Reino Unido, a School of Life Brazil vai ter cursos, seminários, conferências e outros serviços. Estamos encantados", diz o filósofo, que aproveita o mês para vir ao Brasil e lançar seu livro mais recente: "Religião para Ateus" (ed. Intrínseca).

Será que o negócio pega por aqui? "Não tenho dúvida de que a escola vai ser um enorme sucesso", aposta. Ninguém pode culpá-lo por falta de ambição e excesso de ousadia. Para todos aqueles que gostam de consumir experiências e não resistem a uma pitada de autoajuda, pensar na vida é o novo preto.
(Texto escrito por Daniela Arrais e publicado na revista "Serafina" de 30/09/11) 

Nenhum comentário:

Postar um comentário