sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Paradesporto traz inspiração para deficientes - Rafael Oliveira


A proximidade dos Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiro voltou a colocar o esporte adaptado em pauta nas discussões, nas matérias jornalísticas e nas campanhas publicitárias. Um exemplo negativo dessa repercussão foi o polêmico caso da revista Vogue Brasil em associação com a Agência África, no qual os atores globais Cleo Pires e Paulo Vilhena foram retratados com os corpos de dois paratletas e provocaram críticas pela falta de representatividade das pessoas com deficiência.

Em contrapartida, o aumento da cobertura midiática - ainda que tímido ou impreciso - pode ter contribuído para modificar a situação dos ingressos dos Jogos Paralímpicos. A procura pelos 2,5 milhões de ingressos disponíveis para os eventos era baixa - sequer a cerimônia de abertura estava esgotada - até o último dia dos Jogos Olímpicos, mas, na semana subsequente ao encerramento, recordes de vendas foram batidas e o evento já superou a marca de um milhão de ingressos vendidos.

O interesse pelo esporte paralímpico - no qual o Brasil é consideravelmente mais vitorioso em relação ao esporte olímpico - parece ter crescido no imaginário da população brasileira. A uma semana do início dos Jogos, o JC conversou com os responsáveis e com os alunos do curso de natação inclusiva (CNI) da EEFE-USP para saber se esse interesse também se reflete nas pessoas com deficiência e nos profissionais da área.

Inspiração e saúde

Uma das principais esperanças de medalhas para o Brasil nas Paralimpíadas de 2016 é Daniel Dias, dono de 16 medalhas - 11 de ouro, conquistadas em Pequim e em Londres. O nadador paulista é também o primeiro nome que vem à mente dos alunos do CNI quando o assunto é inspiração.

Vanessa Teixeira, que há mais de 2 anos faz parte do curso de natação inclusiva, já foi do mesmo clube que Daniel e garante que vai acompanhar os Jogos Paralímpicos. Para ela, apesar dos problemas políticos, a inédita realização do megaevento no Brasil é "super importante" para o país. A nutricionista de 32 anos, que desde criança pratica a natação, já chegou a competir fora do país, fazendo parte inclusive da seleção brasileira em sua categoria. Hoje, ela nada apenas por diversão e saúde, e se considera uma "atleta aposentada".

Um dos colegas de Vanessa nas terças e quintas de manhã é um funcionário da USP que, apesar de não ter deficiência, possui um problema na coluna e buscou o CNI como forma de tratamento complementar. Para ele, a prática do esporte por pessoas com deficiência "[os] valoriza como pessoas, além de favorecer a parte física" e a convivência com os outros colegas é "bem agradável". "[A realização dos Jogos Paralímpicos no Brasil] é fantástico, o Brasil deveria investir mais em Olimpíadas e nas Paralimpíadas  também. Essas pessoas [com deficiência] merecem isso. É um incentivo a mais estar sendo aqui no Brasil", finaliza o aluno.

Colega de raia do funcionário da USP, Marcos Caelles diz se impressionar com os paratletas. "A gente fica bobo de ver eles nadando, de ver até onde  eles chegam", diz. Aos 54 anos, o aluno do CNI colleciona medalhas de natação e resultados expressivos em corridas de longa distância, com participações na São Silvestre, a principal maratona do Brasil. O paulistano, que começou a praticar natação como forma de tratamento a sua deficiência motora, diz ficar "de olhos inchados" com a emoção de ver os paratletas nadando. "Eu acompanho bastante, [especialmente] as pessoas que têm a mesma deficiência que eu. A gente fica de boca aberta. Esporte é uma coisa que estimula a gente."

A professora Elisabeth de Mattos, responsável pelo curso, compartilha da opinião de Caelles. "Ao praticar atividades físicas, a pessoa com deficiência transforma sua rotina diária e beneficia a saúde do corpo e da mente", explica. Além dos benefícios para o corpo - já que a prática orientada contribui para prevenir enfermidades secundárias à deficiência -, Elisabeth ressalta que o esporte para pessoas com deficiência "promove a integração social, levando o indivíduo a descobrir que é possível, apesar das limitações, levar uma vida ativa e saudável.

As aulas de natação inclusiva da EEFE-USP iniciaram-se em 1995 por iniciativa da professora Elisabeth de Mattos, que desde então é a responsável pelas atividades do curso. Inicialmente, as aulas eram destinadas apenas para deficientes físicos, mas hoje o CNI também aceita deficientes intelectuais e pessoas que não são deficientes, mas possuem problemas de saúde e recebem recomendação médica para a prática da natação. Além disso, parentes ou amigos que sejam responsáveis pelo deslocamento dos deficientes até o curso também são bem-vindos à piscina da Escola de Educação Física e Esporte da USP. As inscrições para o primeiro semestre de 2017 serão abertas nos primeiros dias de janeiro e o valor fica em torno de 300 reais.

História do paradesporto

O esporte é repleto de histórias emocionantes. Vitórias improváveis, esforços recompensados e muitas doses de superação. Impossível esquecer-se de Gabrielle Andersen em 1984, por exemplo. A suíça, que na maratona dos Jogos de Los Angeles completou os últimos duzentos metros da prova exausta e cambaleante, tornou-se a representação maior da superação nos Jogos Olímpicos. Esses elementos, intrínsecos ao esporte, tornam-se ainda mais latentes quando o paradesporto entra em cena. Exemplo disso é a tão inesquecível quanto inesperada vitória de Alan Fonteles sobre o então imbatível Oscar Pistorius - que participava semanas antes dos Jogos Olímpicos - ao lado de atletas sem deficiência - nos 200 m T44, em Londres 2012.

Gabrielle Andersen - Los Angeles 1984

Para que o esporte adaptado alcançasse o alto nível competitivo, com próteses de alta tecnologia e participação de paratletas nos Jogos Olímpicos, porém, quase 70 anos se passaram desde o início do paradesporto. A história do esporte adaptado confunde-se com o fim da Segunda Guerra Mundial. À época, Ludwig Guttmann, um neurologista alemão exilado na Inglaterra, começou a utilizar a atividade esportiva como mecanismo de reabilitação para soldados que retornavam da guerra com sequelas provenientes de lesões medulares. Com o desenvolvimento de sua experiência, em 1948 foram realizados os primeiros Jogos de Stoke Mandeville, cujo nome faz referência ao hospital inglês em que os soldados se recuperavam.

Medalha de ouro para Alan Fonteles em Londres 2012

Doze anos depois, Roma - que havia sediado os Jogos Olímpicos de 1960 apenas alguns dias antes - recebeu 400 atletas de 23 países na nona edição dos Jogos de Stoke Mandeville, no que foi considerado a primeira eidção dos Jogos Paralímpicos.

Desde então, o movimento paralímpico tem se fortalecido e se expandido. Em sua décima quinta edição, no Rio de Janeiro, os Jogos Paralímpicos terão o recorde de 4500 atletas de 176 países - um aumento substancial em comparação com os Jogos de Roma. O Brasil também levará delegação recorde, com 278 atletas - 181 homens e 97 mulheres - nos 22 esportes que comporão essa edição.




Paralimpíadas
Olimpíadas
Faixa de preços da cerimônia de abertura
R$ 100,00 a
R$ 1200,00
R$ 200,00 a
R$ 4600,00
Posição do Brasil em 2012
22º
Número de medalhas em 2012
43
17
Ingressos vendidos a duas semanas da abertura
20%
80%



(texto publicado no Jornal do Campus nº 461 - ano 34 - segunda quinzena de agosto de 2016)

Nenhum comentário:

Postar um comentário