sábado, 10 de setembro de 2016

Arthur Nory: O ginasta mais completo do Brasil - Márcio Kroehn


Eficiente nos seis aparelhos, o campeão brasileiro transformou um início de ano conturbado em um resultado inédito no mundial. Agora, se credencia para fazer história na Olimpíada de 2016

Todas as vezes em que chega para treinar no Esporte Clube Pinheiros, no Jardim Europa, bairro nobre da capital paulista, o ginasta Arthur Nory, 22 anos, olha fixamente para as fotos do japonês Kohei Uchimura, do americano Danell Leyva e do alemão Fabian Hambuchen. Eles são os principais nomes da ginástica artística masculina - e adversários implacáveis do brasileiro nos torneios mundiais. Uchimura  é um fenômeno. Aos 27 anos, se tornou o maior vencedor do esporte desde o último ciclo olímpico. Depois do ouro em Londres-2012, amealhou seis títulos mundiais seguidos no individual geral. Como inspiração, Nory colou as imagens deles no armário. "Olho e penso que um dia vou ser grande como esses caras", afirma. "Esse é o meu maior objetivo."

O ritual diário de Nory não se restringe a admirar os rivais. Ele também olha para si. Ao acordar, o ginasta repete em frente ao espelho que será campeão olímpico. Mais do que um mantra para ganhar autoconfiança, é uma maneira de não esquecer os motivos que o levam a acordar, todos os dias, às 7 h para cumprir uma pesada jornada de treinos em dois períodos, divididos em técnicas de ginástica e musculação. Ao todo, são de seis a oito horas de repetições de séries em busca da perfeição. O resultado é uma mão calejada e dolorida. Algumas vezes, para aliviar as bolhas que se formam, ele prepara o que chama de poção mágica: creme caseiro com Hipoglós, Bepantol, creme de ureia, Nebacetin, hidratante e Cicatricure (todos liberados pela comissão médica). "Eu quero muito a medalha de ouro", diz. "E sei o que tenho que fazer: acordar cedo, trabalhar forte e abrir mão de muitas coisas."

Os resultados em 2015 mostram que é possível, sim, sonhar com um lugar no pódio. No torneio mundial realizado em Glasgow, na Escócia, em outubro, Nory foi o primeiro brasileiro a alcançar a final na barra fixa. Terminou a competição em quarto lugar. O feito, inédito para a ginástica artística brasileira, também ajudou a tirar uma pedra do sapato. Em 2014, na disputa geral, ele teve uma queda no aparelho e perdeu pontos preciosos, terminando a competição em 21º lugar. O resultado ficou abaixo do obtido no ano de estreia em mundiais, em 2013, quando foi 17º. Ter chegado tão perto de uma medalha mostrou que Nory está evoluindo e se aproximando dos adversários. Uchimura, além da conquista individual, foi ouro na barra fixa. Leyva ficou com a prata.

O brasileiro mostrou no Mundial sua importância para a seleção. Ao lado de Arthur Zanetti, Diego Hypólito, Caio Souza, Lucas Bitencourt, Francisco Barreto e Péricles Silva, o time nacional alcançou o oitavo lugar e se classificou para a disputa por  equipes na Olimpíada. Nory provou ter todas as credenciais para ser o melhor ginasta generalista do País ao substituir Sérgio Sasaki. Aos 23 anos, Sasaki vinha conquistando resultados expressivos até ser atrapalhado por duas sérias contusões. 

Décimo colocado na Olimpíada de Londres e sétimo no Mundial de 2014 no individual geral, ele sofreu uma ruptura no ligamento do joelho direito em dezembro do ano passado. A operação foi realizada um mês depois e a lenta recuperação, típica nessas intervenções, só o fez retornar aos treinos em julho. Apesar de todos os passos do tratamento terem sido seguidos, uma infelicidade levou Sasaki novamente para a sala de cirurgia: uma lesão no ombro direito. Sem a presença do melhor brasileiro, Nory cumpriu o seu papel, algo que Sasaki já previa há dois anos, quando o companheiro estreava no Mundial da Antuérpia. "O Nory é um competidor de alto nível, com um bom histórico em campeonatos nacionais", diz Sasaki. "Tenho certeza que ele vai se sair bem em 2016."

Ser um ginasta eficiente nos seis aparelhos é algo complicado na ginástica. As barras paralelas, as barras fixas e as argolas exigem força e equilíbrio. O cavalo com alças pede movimentos circulares, enquanto o solo e o salto demandam performances acrobáticas. Sasaki se destaca no salto, no cavalo com alças e nas paralelas. Nory tem a barra fixa e o solo como pontos fortes. O físico deles também é  diferente do de um especialista como Zanetti, que tem os ombros, o peitoral e as costas desenvolvidos, o que é ideal para os exercícios na argola. Perto do campeão olímpico Zanetti, Sasaki e Nory não parecem ser tão fortes.

Sem a concorrência de Sasaki, Nory encerrou o ano com o primeiro título brasileiro no individual geral. "Era um objetivo e o dever foi cumprido", afirma. Ao olhar para o futuro, ele não se esquece das lições que o passado ensinou. Quem acompanhou seu primeiro semestre dificilmente acreditaria num desfecho de 2015 tão vitorioso. Em fevereiro, teve que se submeter a uma operação de menisco. A contusão aconteceu da pior maneira possível: uma desatenção na repetição de uma série de exercícios o levou para a mesa de cirurgia. "Eu falo para o Nory que ele tem de estar 100% concentrado", diz o treinador Cristiano Albino. "No nível dele, um descuido é suficiente para machucar."

O pior momento do ano não foi o afastamento de treinos e competições. Um vídeo publicado na conta pessoal de uma rede social de Nory foi reproduzido pelo jornal O Globo, em maio. Nele, Nory, Felippe Arakawa e Henrique Flores fazem piadas racistas direcionadas ao negro Angelo Assumpção, companheiro de clube e seleção. Nas imagens, Assumpção aparece visivelmente constrangido. Os atletas estavam concentrados com a seleção brasileira em Portugal e a repercussão os assustou. Um novo vídeo com um pedido de desculpas foi publicado e a Confederação Brasileira de Ginástica suspendeu os participantes por 30 dias. Aos 18 anos, Assumpção é especialista em salto e solo e disse recentemente ao jornal O Estado de S. Paulo que o episódio deixou uma ferida já cicatrizada. Nory não fala mais sobre o assunto. "O ano dele é de superação, por tudo o que passou", diz a psicóloga Carla ide, que acompanha o atleta desde 2010.

Por pouco Nory não envereda para outro esporte. O ex-judoca Roberto Mariano fez de tudo para o filho Arthur seguir seus passos. Mas Nory treinava no tatame do Palmeiras de olho no que acontecia na ginástica. Acabava o treino e ficava encantado com os movimentos e as técnicas dos atletas. Queria ser igual a eles, mas não havia negociação com o pai, comandante da TAM. Por sorte, a mãe, Nadna Oyakawa, profissional de educação física, foi ministrar aulas num clube da Zona Leste de São Paulo que estava implementando a ginástica artística. Nory começou a frequentar as aulas e, depois de seis meses, fez um teste no Pinheiros. Foi aprovado e, no mesmo dia, conheceu Assumpção. "O Nory não tinha técnica, mas o físico que precisava para ser um ginasta", afirma o técnico Cristiano Albino. "Foi a força de vontade que fez com que ele evoluísse muito rapidamente, em torno de3 seis meses."

Se não fosse pela persistência, Nory não teria ido longe. Durante um ano, para não desagradar o pai, dividia o tempo entre a ginástica e o judô. Não deu certo. Cansado, Nory percebeu que não iria em frente se não escolhesse o que realmente queria. Ficou com a ginástica, para decepção do comandante Mariano. A filha de Mariano, Rebeca Yori, seguiu os passos do pai, se formando comissária de bordo, assim como a irmã, Hanna Yumi. O outro irmão, Israel Mariano, tirou o brevê. Só Nory não está ligado à aviação. Nesse meio-tempo, os pais de Nory se separaram. Foi um choque para o jovem ginasta, especialmente num momento em que ansiava pela aprovação paterna. Triste, o garoto começou a demonstrar falta de concentração nos treinos e fraquejou nas competições. A família, que deveria ser o porto seguro, se tornou fonte de problemas.

O Pinheiros tratou de interferir para salvar o futuro do atleta. Em 2011, o comandante Mariano foi convidado para uma reunião com a psicóloga Carla, o treinador Cristiano e o coordenador técnico Raimundo Blanco, além de Nory. Numa conversa franca, eles perguntaram se o pai conhecia os resultados do filho. Não, ele não tinha ideia. Então foi apresentado aos números e descobriu que o filho não estava na ginástica por birra. O negócio era sério. Feito isso, o comandante Mariano entendeu o que o esporte significava para Nory. Daí em diante, tudo mudou. O benefício não foi apenas técnico, mas pessoal. "Hoje o meu pai tem orgulho de mim e mostra os meus resultados para  todo mundo", diz o ginasta.

A rigidez do comandante Mariano deixou marcas em Nory. Ele, que foi obrigado a tocar piano, utiliza o instrumento hoje em dia para relaxar. A música clássica é o estilo preferido nos momentos em que precisa de concentração. Ao contrário de outros ginastas, que atingem a maturidade aos 20 anos, Nory encontrou a sua dois anos mais tarde. A oito meses da Olimpíada, o momento não poderia ter sido mais apropriado. 




(texto publicado na revista IstoÉ 2016 - dezembro de 2015/janeiro de 2016)

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