sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Eu enxergo o mesmo que você? - Ana Luísa Moraes


Sua percepção do mundo é praticamente um chute: é a melhor estimativa do seu cérebro sobre o que está acontecendo de verdade, com base nos sentidos e memórias. As únicas informações que temos acesso, na verdade, são filtradas pelo nosso corpo - é impossível sair da sua mente para ter uma ideia de como o mundo é realmente. Também não dá para fazer uma visitinha à cabeça de outra pessoa - por isso, ninguém nunca vai  conseguir dizer se todos nós enxergamos exatamente a mesma coisa. Como você pode ter certeza que a cor verde que eu enxergo é a mesma cor que você enxerga? "Nossos sentidos são limitados, não temos acesso ao real", explica a neurocientista Claudia Feitosa-Santana. Há cerca de 450 anos, Nicolau Copérnico mostrou que a Terra gira ao redor do Sol: antes, as pessoas acreditavam no contrário. Acreditavam porque era isso que elas percebiam - elas não sentiam a Terra se mover, enquanto o Sol ia e vinha todos os dias. É isso que os seus sentidos te entregam, mas não é essa a realidade. "Mas nossa realidade não depende apenas da percepção formada por nossos sentidos, ela depende também das nossas experiências que formam memórias e que vão influenciar a forma como percebemos o mundo", diz Claudia. Você pode odiar morangos, por exemplo, e eu adorar. Isso pode acontecer, basicamente, por dois motivos. Primeiro, como os nossos sentidos são diferentes, eu experimento um sabor que para mim é agradável e para você não. Segundo, pode ser que, em algum momento da sua vida, você tenha tido uma experiência ruim com morangos. Você pode ter comido um estragado e ter passado mal - e, assim, sua percepção foi completamente modificada. As suas experiências e memórias, entretanto, são facilmente manipuláveis - e, consequentemente, sua percepção. Em um estudo científico da década de 80, na Universidade de Washington, a pesquisadora Elizabeth Lotus pediu que os participantes da pesquisa lessem quatro textos escritos por familiares, que relatavam alguns episódios vividos na infância. Um deles era falso, e contava sobre o dia em que o voluntário, quando pequeno, perdera-se em um shopping. Mais ou menos 1/4 dos participantes incorporou o acontecido às suas memórias, e chegaram até a dar detalhes que não estavam escritos no texto. Mas você não precisa participar de um estudo para ter memórias falsas: todos os dias, você recebe milhares de impressões que, sem que você perceba, alteram as suas lembranças. "Como o ato de vivenciar o mundo é influenciado pelas experiências passadas, e é praticamente impossível encontrar duas pessoas que tenham tido as mesmas experiências, consequentemente, fica muito difícil que essas duas pessoas experimentem o mundo da mesma maneira", comenta Claudia. 


(texto publicado no jornal Fronteiras - setembro de 2016)

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