É normal um idioma importar vocábulos de outra língua. Um estudo das palavras estrangeiras que entraram no português mostra que a contribuição de cada povo concentrou-se em áreas bem específicas - às vezes por se tratar de uma característica cultural dominante em determinado país, às vezes porque circunstâncias histórica nos levaram a importar tecnologia de uma nação específica. Por exemplo, como os primeiros automóveis comprados por brasileiros vieram da França, acabamos adotando do francês a maioria de nossos vocábulos automobilísticos: capô, embreagem, derrapar, marcha á ré, chassi. A indústria da informática e a Internet consagraram os termos provenientes do inglês: software, mouse, modem, download, drive. Da mesma forma, como foram os ingleses que introduziram aqui o futebol, é natural que tenhamos adotado vocábulos de sua língua: pênalti (penalty), chute (shoot), futebol (football), craque (crack), time (team), driblar (dribble). Na música clássica e na ópera, no entanto, o italiano reina imbatível e a influência de seu vocabulário é visível na língua que falamos no nosso dia-a-dia.
FIASCO
A palavra, originalmente, queria dizer "frasco, garrafa". Como passou a indicar, também, um fracasso completo, um malogro, um vexame ? Há muitas hipóteses, mas a mais verossímil é a de que os sopradores dos belíssimos (e valiosos) artefatos de vidro veneziano, ao notarem alguma falha, abortavam a peça que faziam e transformavam o vidro ainda maleável em um simples fiasco - uma simples garrafa. Fare un fiasco (fazer um fiasco) teria saído então do ateliê dos vidreiros e passado a ser a expressão de retumbante fracasso em espetáculos de música ou de teatro.
MAESTRO
Significa literalmente "mestre". Embora possa ser usado para designar simplesmente um professor de escola, aqui no Brasil é empregado no mesmo sentido respeitoso que o vocábulo tem nas artes marciais. O termo é muito adequado para nomear o condutor da orquestra, já que ele realmente exerce o comando sobre todos os músicos. Comparado jocosamente a um "guarda de trânsito musical", é ele quem determina a entrada de cada instrumento, o andamento da música e a intensidade com que ela vai ser extraída da partitura - e isso, para ser feito, exige certo autoritarismo e pouca democracia.
LIBRETO
Libretto quer dizer "livrinho" em italiano. No vocabulário musical, designa o folheto (nem sempre tão pequeno assim) que conta o enredo de uma ópera e traz todo o texto que vai ser cantado no palco. Em suma, ele trata de explicar o que está sendo feito e por quê. Sem ele, fica muito difícil para o espectador entender o que está se passando, no meio de todos aqueles cantores gordos com vozes possantes. Como o aspecto principal da ópera é a música, seu enredo é geralmente primário, cheio de dramas e peripécias de baixa qualidade literária, em que deuses, príncipes, pastores e bandidos falam todos com a mesma linguagem e com os mesmos gestos exagerados.
PIANO
É um adjetivo usual no italiano, significando "suave". O nome dado ao instrumento é, na verdade, a redução do nome original, pianoforte (ou piano et forte), traduzido como "suave e forte". Essa expressão designa a grande inovação que ele representava na música do século 18: os cravos, seus antecessores, são instrumentos de teclado com cordas dedilhadas, enquanto o piano, muito mais versátil, usa cordas percutidas por pequenos martelos, permitindo que o intérprete produza sons suaves ou fortes, dependendo do uso dos pedais e da intensidade com que ele toca as teclas.
PRIMA-DONA
No italiano, a prima donna ("primeira mulher") é a principal cantora feminina de uma ópera ou de uma companhia, geralmente soprano. Nos primórdios da ópera, os solistas - a prima donna e o primo uomo ("primeiro homem") - eram tão idolatrados pelo público que assumiam atitudes temperamentais e caprichosas. Isso explica o valor pejorativo que o termo assumiu, servindo para designar qualquer personalidade pública - ator, cantor, músico ou jogador de futebol - que vive tendo ataques de estrelismo.
SERENATA
Vem do italiano sera, "noite", e de sereno, adjetivo que indica o céu estável, sem nuvens. Deixar uma coisa "ao sereno" era deixar ao ar livre e, portanto, recebendo a umidade que cai do céu noturno. A serenata era uma música apropriada para a noite, geralmente tocada (ou cantada) por um galante cavalheiro sob a janela de sua amada. Embora o termo também designe, tecnicamente, uma peça de música instrumental leve, com predominância de sopros, seu sentido usual ainda é o antigo, evocando violões e vozes suaves que executam músicas bem comportadas diante da casa de alguém.
Texto extraído da revista "Mundo Estranho" de maio de 2003 de autoria de Cláudio Moreno)
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