sábado, 1 de agosto de 2015

O manto em exposição - Adriana Dias Lopes


O Santo Sudário, o tecido que teria envolvido o corpo de Jesus no sepulcro, será exibido em Turim em uma rara visitação pública

Nos últimos quatro séculos, o Santo Sudário, uma das mais valiosas relíquias cristãs, foi exposto à visitação apenas dez vezes. A exibição mais recente, ocorrida em 2010, atraiu 2,5 milhões de pessoas durante o período de pouco mais de um mês. A partir deste domingo, dia 19, o pano de linho que teria servido de mortalha para o corpo de Jesus Cristo no sepulcro poderá ser visto novamente, na Catedral de São João Batista, em Turim, na Itália. Ao longo de 67 dias, cerca de 3,5 milhões de pessoas deverão comparecer ao local. Será a mais portentosa exposição já realizada com o tecido. O papa Francisco rezará em frente ao manto na manhã de 21 de junho, praticamente encerrando a mostra.

O Santo Sudário é um símbolo de fé excepcional. O pano de linho de quase 4,5 metros de altura, 1,5 metro de largura e 0,34 milímetro de espessura guarda para os católicos os sinais do corpo de Jesus Cristo depois da crucificação. Há sinais de machucados que remontam a pequenos halteres - tortura praticada pelos romanos. Há referências aos pregos e à coroa de espinhos. Veem-se também particularidades, como uma mancha avermelhada no peito entre a quarta e a quinta costela direita. Oval, com 7 centímetros de diâmetro, ela tem a forma e a medida correspondentes às armas de Roma. A marca também remete à passagem bíblica em que soldados perfuraram o corpo de Jesus antes de descê-lo da cruz. Mas, para os cristãos, a importância do Santo Sudário vai muito além. Ele representa o que há de mais precioso no cristianismo - uma prova da ressurreição de Cristo. A crença na ressurreição de Jesus Cristo é o sustentáculo da fé católica.

Não há o que discutir sobre o valor do Santo Sudário como símbolo de fé. Mas sua legitimidade, naturalmente, foi posta em dúvida inúmeras vezes ao longo dos séculos. O pano é mesmo o lençol que cobriu o corpo de Jesus? Só nas últimas três décadas, para se ter uma ideia, cerca de 3000 pesquisas foram realizadas para tentar responder a essa pergunta. Nunca houve um veredicto definitivo. Um dos trabalhos mais emblemáticos a respeito datade 1988. Naquele ano, o papa João Paulo II autorizou que especialistas das universidades de Oxford, na Inglaterra, de Zurique, na Suíça, e do Arizona, nos Estados Unidos, tivessem acesso a pequenos pedaços do pano. Os pesquisadores então submeteram os retalhos ao teste do carbono 14, composto usado na arqueologia para datar fósseis. A conclusão foi que o sudário de Turim havia sido criado, na verdade, entre os séculos XIII e XIV. Mas, em 2000, um novo estudo contestou a precisão do carbono 14. O casal de americanos Joe Marino, teólogo, e Sue Benford afirmou que os pedaços de tecido analisados no teste não eram originais - durante a Idade Média, o pano havia sido remendado com recurso chamado de "costura invisível", método de origem francesa em que a restauração dos fios é praticamente imperceptível.

A conclusão mais extraordinária sobre o Santo Sudário é do historiador de arte inglês Thomasde Wesselow. Agnóstico, Wesselow afirmou em 2012 no livro O Sinal, um tratado sobre a ressurreição e a mortalha de Jesus, que, se não é possível provar que o sudário é de fato a mortalha do corpo de Cristo, também não há comprovação conclusiva de que não seja. A Santa Sé mantém uma postura discreta em relação ao pano de linho. Jamais alardeou os achados científicos, mesmo os que pudessem conduzir a um Jesus histórico, de carne e osso. Ao visitarem o manto, os papas seguem um ritual religioso no qual se reverencia uma imagem pelo fato de ela lembrar Deus - e não o tecido em si. Para a Igreja, se o sudário é verdadeiro ou falso, é uma questão da ciência. Não de fé.




(texto publicado na revista Veja edição 2422 - ano 48 - nº 16 - 22 de abril de 2015)

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