quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Chocolate pelo bem do coração - Alexandre De Santi, com reportagem de Marcel Hartmann


E vale até a versão ao leite! Experts britânicos constatam que o consumo dessa delícia está ligado a um menor risco cardíaco

Todo mundo adora chocolate. Ok, nem todo mundo. Mas esse doce é tão idolatrado que basta alguém insinuar que não dá a mínima pra ele para pipocarem reações de espanto. Só que sua fama sempre foi proporcional ao receio de comê-lo regularmente. Por causa das suas altas doses de açúcar e gordura, o temor era que ele contribuiria para entupir artérias e predispor ao diabete. Mas um novo estudo vem a público dizer que, ao menos quanto ao coração, não há motivo para grandes privações: o chocolate seria parceiro do peito.

O trabalho, assinado por uma equipe da Universidade de Aberdeen, na Escócia, foi baseado em questionários que avaliaram a dieta de 20 951 britânicos por 12 anos. Além disso, levou em conta dados de oito artigos que envolveram quase 158 mil pessoas. É muita gente. Os resultados mostraram que, entre o grupo que não ingeria chocolate, 5,4% infartaram. Entre quem comia de 15,6 até incríveis 98,8 gramas por dia, o índice de ataques cardíacos era menor: 3,1%. No final das contas, a ingestão da sobremesa foi relacionada a uma probabilidade 11% menor de ter doenças cardiovasculares e 25% menor de morrer devido a um problema no coração.

"Os achados consistentes são de que comer uma quantidade moderada de chocolate não causa nenhum dano em termos de doenças cardiovasculares. O consumo pode até ser benéfico", conclui Phyo Kyaw Myint, líder da investigação. E olha que 98,8 gramas diários de chocolate não é pouco. Equivale à metade de uma barra.

A explicação para a suposta proteção às artérias deve estar nos flavonoides, substâncias antioxidantes encontradas no cacau. "Elas melhoram o processo de retirada do colesterol ruim de circulação", diz o cardiologista Fernando Augusto Alves da Costa, do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. O médico lembra que os flavonoides também promovem a liberação de óxido nítrico pelo endotélio, camada que reveste internamente os vasos sanguíneos. Com isso, eles ficam relaxados e a pressão não sobe.

Mas não foi só o chocolate amargo - cheio de cacau - que brilhou entre os britânicos. Até quem degustava a versão ao leite tinha o peito mais resguardado. Uma hipótese apontada pelos pesquisadores seria a ação de componentes do próprio leite, como cálcio e certas gorduras, em especial o ácido linoleico conjugado. Trabalhos vêm indicando que eles baixam o nível de colesterol no sangue e combatem outros fatores inimigos dos vasos, como glicemia e pressão arterial nas alturas.

Parece notícia boa demais? Pois outra pesquisa, publicada em 2010 e liderada pela Universidade Harvard, nos Estados Unidos, chegou a conclusões parecidas. Nela, avaliou-se o consumo de chocolate de quase 5 mil pessoas entre 25 e 93 anos. Foi observado, então, que quem comia a sobremesa cinco ou mais vezes por semana era 57% menos propenso a ter entupimentos nas artérias do coração. Antes de decretar que, a partir de agora, todo dia é Páscoa, cabem ponderações. "O que o novo estudo mostra de positivo é uma ausência de associação. Isto é, que não existe uma relação entre consumo de chocolate e a ocorrência de doença cardiovascular", analisa o cardiologista Bruno Caramelli, diretor da Universidade de Medicina Interdisciplinar em Cardiologia do Instituto do Coração, o InCor, em São Paulo.

Esse zelo com a conclusão dos britânicos tem a ver com o fato de que ela foi calcada em dados sobre a dieta geral das pessoas. E aí, apesar de o chocolate aparecer no menu diário de quem corria menos perigo de ver o coração pifar, a experiência não chegou a cravar que o doce é, de fato, o único responsável pela façanha. Até porque os chocólatras eram mais magros, faziam exercícios físicos, não tinham hipertensão, apresentavam menos marcadores inflamatórios no sangue e menores índices de diabete - um combo que contribui, e muito, para deixar o sistema circulatório livre e desimpedido.

Ao leite liberado?

A versão amarga ainda é, de longe, a que acumula mais pontos entre os especialistas. "Não há dúvida de que o doce com teor de cacau acima de 65% apresenta os principais benefícios por causa da alta concentração de polifenóis", defende o nutrólogo Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia, a Abran. E são justamente essas substâncias (também encontradas em alimentos como café e chá) que têm, até agora, exibido uma sintonia pra lá de afinada com a saúde.

Um estudo da Universidade de Roma Tor Vergata, na Itália, reforça as vantagens dos tabletes amargos. A pesquisa acompanhou, por uma semana, 15 mulheres obesas entre 20 e 40 anos que comiam diariamente 100 gramas da versão escura da sobremesa. Ao fim da experiência, elas tiveram um aumento expressivo do HDL, o colesterol bom. E o mais surpreendente: a circunferência abdominal diminuiu. Provavelmente esse efeito emagrecedor se deve à presença marcante do cacau, que também demanda maior tempo de digestão. Dessa forma, sacia mais.

Já o chocolate ao leite, ainda que não tenha castigado o coração dos voluntários lá da Escócia, pode inflar a barriga com maior facilidade - principalmente se não houver uma rotina de exercícios. É que 100 gramas de uma barra chegam a concentrar até 550 calorias! Isso representa um quarto das necessidades calóricas diárias de uma mulher e um quinto das de um homem, segundo o Ministério da Saúde dos Estados Unidos. Por isso, na hora de escolher, a orientação do pesquisador Phyo Kyaw Myint é preferir as barras menos calóricas - fique de olho nas quantidades de açúcar e gordura. E lembre-se de que, de acordo com a legislação brasileira, a ordem dos ingredientes nos rótulos deve refletir a quantidade das substâncias presentes nos alimentos. Logo, se o cacau for o principal item do chocolate, aparecerá primeiro.

Para evitar qualquer chance de o chocolate botar o ponteiro da balança para cima, Aline Marcadenti, professora de nutrição da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, sugere o consumo de até 10 gramas do doce por dia, pouco mais de dois quadradinhos. O melhor horário é após o almoço, porque, depois de comer as fibras presentes em vegetais, nosso corpo tende a absorver menos açúcar e gordura dos alimentos que vêm na sequência. Mas, se não conseguir resistir, já sabe: um pouquinho a mais de chocolate pode alegar sua tarde sem acarretar prejuízos ao coração.



(texto publicado na revista Saúde é vital nº 393 - agosto de 2015)

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