E
eis você aqui, minha cara editora, 60 anos depois, ou seja, desde 1957,
querendo saber sobre as mudanças ocorridas de lá pra cá. E me dá uma dica: “na
cultura, nos costumes, tecnologia, ciência, medicina, etc. No Brasil e no mundo
– ou só no Brasil”.
-
Isso tudo nem no gugo.
E
quer que eu coloque isso em 4.000 caracteres (se possível 3.500 “pra podermos
abrir mais a ilustração”).
Só
aqui na enrolação inicial já se foram 408 caracteres (com espaços).
O
papa ainda era o Pio XII e o Brasil nunca tinha sido campeão do mundo.
Eu
tinha onze anos, dormia no quarto da frente e ouvi claramente um cavalo se
aproximando, o trotar nos paralelepípedos, um sujeito apear e a campainha soar.
Depois soube que eram duas e meia da manhã.
Era
um peão de uma fazenda meio próxima que veio avisar o meu pai que a enfermeira
da dona Cacilda – que beirava os noventa (a dona Cacilda, a enfermeira devia
ter uns oitenta) – não estava conseguindo pegar a veia da véia (desculpe, não
resisti ao trocadilho e o acento que não existe mais) e só o meu pai era capaz.
Parênteses:
ainda não havia telefone na cidade onde morávamos. E o meu pai era médico.
Então teve que ir um sujeito num cavalo chamar o meu pai, que teve que ir com o
jipe dele até a Fazenda Capirava para aplicar a injeção. Dona Cacilda, com o
braço todo cutucado, furado e sangrado, gritava que só o meu pai era capaz de
pegar a viea dela, fininha, azulzinha e fazendo hora pra morrer.
Meu
pai foi, acertou a veia, voltou, deitou e dormiu.
E
agora você me pergunta o que mudou de lá para cá... Não existia nem a década de
sessenta: Beatles, Gagárin, minissaia, pílula, Brigite Bardot e James Dean,
feminismo, festivais de música da Record, a Globo, o Chacrinha, o homem pisando
na lua. E o grande medo do homem era a gonorreia. Saudades da gonorreia. Um
Tetrex e pimba!, né, doutor ?
1750
dígitos. Metade já foi, mas cheguei aonde queria: se há 60 anos usava-se um
cavalo para se chamar um médico, como se faz hoje? Taí o aparelhinho bem ao seu
lado: iPhone ou Samsung, não importa.
E
ele é o problema. Ele corre mais rápido do que o cavalo. Muito, mas muito
mesmo. Vou dar um exemplo. Apenas um, uma pequena troca de informação entre o
meu filho e eu: para ele me informar o código de uma passagem para São
Paulo/Lisboa. Como foi ele que marcou a passagem, eu só podia mexer no meu
ticket com o tal código (existiam códigos em 1957?).
Eu,
em casa, esperando e nada. Comecei a ficar aflito. Mandei um Whatsapp: “E
então?”. Ele estava fora do ar, mandei então um e-mail, com a mesma mensagem.
Recado do celular. Nada. Daí uns vinte minutos chega a resposta pelo e-mail: “Já
mandei”. E eu fiz a pergunta que bagunçou tudo: “por onde?”, pelo Whatsapp.
-
Não foi por aqui?
-
Não. Onde você está ? Eu estou no zapzap.
Ele,
pelo Messenger?
-
Ih... Tenho certeza que mandei. Será que foi pelo... “ Deixa eu olhar.
Eu
também fui olhar. Nada. Voltamos ao zap.
Ele:
-
então, só pode ter sido pelo Skype. Vou abrir. Ih, diz que está fazendo uma
renovação do aplicativo. Please wait... No seu e-mail do gmail, será que não
foi por lá?
-
Será que não mandou para o grupo da família dos Prata? Ou dos Góes?
Aí,
eu, sem ficar nervoso, peço:
-
Antonio, pode me telefonar?
-
Acho que vai ser melhor, senão tu vai perder o voo. Me lembro que começava com
GO...
Me
telefonou. E nem começava com GO. Era X5.
Perdemos
mais de meia hora com isso. Do Orkut e do MSN (lembra?) pra cá a coisa acelerou.
Mentira. O mundo tá parado na cara da gente. O mundo correu tanto que parou.
Talvez
o rapaz que tenha ido chamar o meu pai, hoje com uns 80 anos, esteja contando
para os netos o dia que ele foi buscar o doutor Prata para achar a veia da
véia.
-
Mas nem esses telefones com fio na parede tinha, Bizo?
-
Nada!!! E era tudo mais rápido.
-
E a velha, morreu?
-
Nada, me lembro dela ouvindo uns anos depois um major russo e comunista,
chamado Gagárin, dizer lá do céu: “a terra é azul”. Comecinho dos anos 60.
Ninguém sabia que a terra era azul. Ninguém tinha visto ainda, né ? Hoje deve
estar meio cinza. Não a véia, a Terra. Acho que a dona Cacilda chegou até à
minissaia!!! Ô Nenzica, tu lembra o ano que a dona Cacilda morreu?
-
Pedi prus mininu olhá no gugo. Foi quando o Brasil foi bicampeão no Chile.
Todos,
em dois toques.
-
Sessenta e dois!
-
A gente era novinho, né, meu capiau?
Texto
publicado na revista Ser médico mº
81 – ano XX – out/nov/dez 2017
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