domingo, 5 de julho de 2015

Dor de cabeça & casa de campo - Walcyr Carrasco


Há dois momentos felizes para quem tem casa de campo, dizem. O primeiro, ao comprá-la. O segundo, ao vendê-la. Chácara, sítio, fazendinha são sonhos com vocação de pesadelo. Ou, no mínimo, dor de cabeça. Um amigo tem um sítio próximo a São Paulo. Ama ser ecológico. Preservou a Mata Atlântica. Cuidou da fauna nativa, mandando o caseiro alimentar os bichos. Sentiu, orgulhosamente, que fazia algo pelo planeta. Até o dia em que abriu o freezer do caseiro. Lá estavam, congelados, tatus, pacas, pássaros.

- O safado comia os bichos! - lamentou-se.

Furioso, botou o homem para fora, devidamente acompanhado pela família, gorda á base de tatus, entre outros acepipes. Para quem não experimentou, a dica: lembra frango, é saboroso. Comi há 30 anos no interior da Bahia. Não aconselho ninguém a sair caçando tatus, certo? Só conto para não estranharem o apetite por animais silvestres. Mesmo assim meu amigo manteve o sítio. Em dezembro, foi chamado apressadamente pelo novo caseiro. Em seu dia de folga, alguém levara todos os móveis e utensílio domésticos, provavelmente em um caminhão. Acasa, absolutamente vazia. Agora não sabe se engole o prejuízo ou vende a propriedade para o primeiro que aparecer.

- Uma vez não resisti e comprei um sítio perto de minha cidade natal - contou outro amigo. - Fui duas vezes em um ano. Acabei tendo de me livrar, só dava despesa.

Ouço muitas reclamações de amigas que chegam em suas casas de campo para trabalhar mais do que na residência oficial. É a cozinha que está suja. Falta detergente. Uma árvore tombou no jardim e ninguém avisou. Os cachorros precisam de veterinário. Passam o fim de semana resolvendo problemas. O item cães merece atenção especial: começa-se com um ou dois cãezinhos. Mas depois ganha-se mais um filhote do vizinho. Como há espaço, abrigam-se os poodles abandonados de um casal que se separou. Quando vê, são dez, 15 cachorros, todos abanando os rabos e pedindo carinho! Alguns latem a noite toda. Muitos felizes proprietários tomam remédios para dormir na suave noite estrelada.

Pior: boa parte de quem vai para o campo morre de medo de bicho. Ouvem falar de uma cobra vista nas redondezas e se trancam em casa. Se passeiam na mata, basta um barulhinho para fugirem. Gente muito urbana não está acostumada à paz campestre, onde o cantar das corujas embala a noite. Mas parece de mau agouro. (Eu gosto!) Confesso: quando fui a Bonito, me apaixonei pela região. Passei meses consultando sites de venda de imóveis, apesar dos milhares de quilômetros de distância. O juízo voltou aos poucos, quando imaginei o que seria morar numa área de preservação ecológica. Tipo, ir nadar no bucólico rio mais próximo e me relacionar com uma sucuri. Ou encontrar uma onça no jardim.

A violência, porém, é o que mais afasta as pessoas das delícias da vida rural. Assaltos são muitos. Inclusive os condomínios fechados não são seguros como se pensa. Há um deles onde as casas custam milhões e cujos moradores, nas conversas, falam mais sobre grifes e marcas da moda que qualquer outro assunto. Pois bem, apesar da portaria rígida, foi assaltado. O fato é mantido em segredo, para não cair o valor das propriedades, já que eles vendem, oficialmente, segurança. Um endereço isolado, então, pode se tornar muito mais assustador.

Casas de praia costumam ser mais frequentadas que as de campo. A não ser no Rio deJaneiro, onde, por terem lindas praias à vontade, os cariocas fogem delas. Sempre há um parente, um amigo, que quer ir para a praia. Esse vai e vem de pessoas impede que os problemas cresçam. Pelo mesmo motivo, não há problema sério com o campo quando a família vai toda semana, ou quase. A casa se mantém. Conheço gente que viaja quase como um compromisso religioso. Tenho até um amigo escritor que mora numa montanha perto de Petrópolis, sozinho, e não dirige. Pede um táxi por telefone para se locomover. Já aprendeu a fazer pão. Acho que esmurrar a masa consegue acalmá-lo. Vamos ser sinceros: calma demais irrita!

Mas, ainda assim, eu me vejo numa cabana, isolado na mata, escrevendo meus livros e novelas.

- Queria ser um lobo solitário - digo a mim mesmo.

Apesar de todos os inconvenientes, penso em adquirir o tal refúgio campestre. Em breve. Já escolhi o local, nas montanhas paulistas. Só exijo cachoeira. Meu sonho, uma cachoeira! Parece loucura, depois de  tantos contras. Mas quem disse que sou lógico?



(texto publicado na revista Época nº 869 - 2 de fevereiro de 2015)


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