quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Cinema nacional: Meu país, filme com Rodrigo Santoro, Débora Falabella e Cauã Raymond (trechos do filme em italiano)


trailer do filme 


Em busca do afeto perdido

por Fernanda Teixeira Ribeiro

Através dos recursos expressivos da irmã com deficiência mental, protagonista de Meu País distingue fragmentos da história do pai morto

As primeiras cenas são um misto de sonho e da confusão mental causada por um derrame cerebral - imagens embaçadas de três crianças brincando na praia refletem os pensamentos de um rico empresário que sucumbe a uma isquemia. Em seguida, um dos "meninos", Marcos, interpretado por Rodrigo Santoro, um bem-sucedido especulador financeiro na Itália, recebe a notícia da morte do pai. Radicado em Roma desde a morte da mãe, o protagonista de Meu País, longa-metragem escrito e dirigido por André Ristum, embarca às pressas para São Paulo, onde uma grave crise nos negócios da família e um segredo do pai que vem à tona o farão permanecer no Brasil por mais tempo do que previa.

A sensação de estranhamento de Marcos é evidente, desde o momento no qual reencontra no aeroporto o irmão caçula, um boêmio adepto de jogos de azar. Sente-se mais confortável ao falar em italiano, ao distribuir ordens ao telefone ou ao analisar friamente as dívidas da empresa da família e os efeitos da deterioração do patrimônio pelo irmão. No enterro do pai é abordado por um médico, que se declara amigo da família. Envolvido com o trabalho na Itália e com os problemas no Brasil, encontra-se a contragosto com o desconhecido em um hospital psiquiátrico. A conversa é breve: seu pai teve uma filha deficiente mental fora do casamento, e, na ausência do patriarca, ele e o irmão se tornaram responsáveis pela jovem. Sua reação imediata é optar por mantê-la internada, recebendo cuidados na clínica. Mas o psiquiatra é enfático: ela não tem uma doença psiquiátrica, mas um déficit cognitivo. A permanência no local, sob os mesmos estímulos, faria com que regredisse.

Manuela, vivida pela atriz Débora Falabella, raciocina e elabora suas emoções como uma criança de 5 anos. Para compor a personagem, frequentou escolas para crianças e adultos com déficit cognitivo. O trabalho resultou em passagens interessantes, como a cena em que Manuela se desespera ao encontrar pela primeira vez o irmão mais velho. Meses antes, como ela mesma conta a ele, o pai havia lhe dado uma fotografia dizendo que, quando ele não pudesse mais visitá-la na clínica psiquiátrica, Marcos - um dos dois garotos que sorriam na imagem amarelada pelo tempo, tirada em uma praia - passaria a vir vê-la em seu lugar. Aos poucos, através dos aparentemente limitados recursos expressivos da irmã, o protagonista começa a distinguir emoções e fragmentos da história do pai. Nesse contexto, emerge a dor causada pela morte da mãe há uma década - não superada na época, mas parcialmente atenuada pela fuga para um país estrangeiro e pela adoção da família da mulher italiana e dos negócios do sogro.

A troca entre os dois personagens é intensa. Manuela é levada à mansão da família para surpresa do irmão Tiago (Cauã Raymond), apavorado diante da ideia de dividir a responsabilidade sobre a "monga", como a define, e da mulher estrangeira de Marcos, confusa com os cuidados e com o afeto que o marido, quase sempre distante e reservado, dispensa para a meia-irmã, o que estremece o casamento. Meu País trata, essencialmente, de afetos perdidos e reencontrados. De dois irmãos que guardam um do outro apenas lembranças de uma camaradagem do passado - constantemente evocada pelo simbolismo da imagem da praia -, mas que, unidos pela convivência forçada na mesma casa, pela má situação financeira da família e pelas dificuldades (e descobertas) de cuidar de uma pessoa com deficiência mental, vivenciam tanto o luto da morte do pai como o da desconstrução da família pelo tempo e pela distância.


(texto publicado na revista Mente Cérebro nº 225 - outubro de 2011)












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