sexta-feira, 2 de novembro de 2012

O real valor das coisas - Lívia Lisbôa


Quanto realmente se gasta para produzir uma garrafinha de água, uma calça jeans, uma xícara de café ou um celular? Se forem computados os custos para o meio ambiente, esse valor pode ser muito maior do que se pensa

Quanto custo aquilo que você compra no supermercado? Com certeza, bem além do preço que está marcado na etiqueta! Raj Patel, autor do livro O Valor de nada (Zahar Editora), investigou a distorção que existe quando ignoramos os custos escondidos além do binômio oferta-procura. "A eterna busca por crescimento econômico transformou a humanidade num agente da extinção, por meio da contínua desvalorização dos serviços ecossistêmicos que mantêm nossa "Terra viva", diz Patel. Muitas vezes, trocamos nossos telefones por um modelo mais novo à custa de péssimas condições de vida de trabalhadores do outro lado do mundo. Outras vezes, não nos damos conta de que nossa escolha por uma ou outra marca, em busca da melhor pechincha, determina o grau de estrago no meio ambiente. Quem paga essa diferença? Associações e organizações do mundo todo estão tentando rastrear as pegadas que deixamos ao longo do processo: desde a produção e seu transporte até chegar às gôndolas, passando pela forma como o usamos, até seu descarte. Selecionamos quatro produtos comuns que fazem parte da rotina da nossa vida moderna como um convite para que você também olhe para um celular, uma xícara de café, uma calça jeans ou uma garrafa de água sob um outro ponto de vista. E possa saber que o custo por trás daquilo que você compra pode ser bem maior do que poderia imaginar.

CALÇA JEANS

O processo de fabricação de uma calça consome muita água, desde o líquido envolvido no cultivo da matéria-prima, o algodão, até a diluição dos resíduos de fertilizantes utilizados na safra e dos produtos químicos da indústria têxtil. O Brasil produziu, em 2010, mais de 320 milhões de peças jeanswear, incluindo jaquetas, camisas, vestidos, calças, bermudas e macacões.

Uma calça que você compra na loja está encharcada com 11 mil litros de água. Essa é a quantidade do líquido que é usado no processo de produção de um par de jeans - o equivalente à capacidade de um caminhão-pipa.

Utilizamos 21 litros de água cada vez que lavamos uma calça jeans. São 4 vezes a quantidade de água que uma pessoa em um país em desenvolvimento poderia usar por um dia inteiro para beber, limpar, comer e lavar. 

Até aposentar de vez a sua calça, você terá usado 5460 litros de água - e ela for lavada uma vez por semana, o equivalente a 83 banhos de 7 minutos cada um.

Jeans desbotados são obtidos por jateamento de areia, cujos grãos e decompõem em partícula fina de silica, que trabalhadores inalam dando origem à silicose, uma doença fatal no pulmão, que mata dentro de seis ou nove meses.

Para fazer sua parte:

- Lave a sua calça 1 vez a cada 2 semanas
- Lave-a em água fria
- Seque-a no varal
- Doe quando não for usá-la mais


CELULAR

É muito difícil avaliar a pegada hidrológica de produtos industriais específicos, porque os ítens diferem muito entre si e suas cadeias de produção são complexas e diferentes. Estima-se uma média global de 80 litros de água por dólar de produto industrializado. Se um celular custa 200 dólares, a pegada hidrológica dele vai ser uma medida de 16 mil litros de água.

Grande parte dos minerais usados para a produção de eletrônico vem das minas no leste do Congo, onde, das 13 extrações principais, 12 são controladas por grupos armados. Esses minerais são transformados em metais como estanho (cassiterita) e tântalo (coltan), que são utilizados na fabricação de telefones celulares. A renda obtida financia uma guerra civil que, segundo o Conselho de Direitos Humanos da ONU, matou, nos últimos 15 anos, mais de 5 milhões de pessoas e violou 300 mil mulheres.

CAFÉ

Em algumas áreas da Guatemala podem ser necessárias mais de mil pessoas trabalhando um dia inteiro para encher um contêiner com 275 sacas de café (de 69 kg cada uma). No cerrado brasileiro, esse mesmo trabalho é realizado por apenas cinco pessoas e uma colheitadeira mecânica. Uma pessoa dirige e as outras colhem. "Como as famílias de produtores da América Central poderão concorrer com um  esquema desses?", pergunta Patrick Installe, diretor administrativo da Efico, uma empresa que comercializa café verde.

Com a ajuda da Rainforest Alliance, uma organização independente sem fins lucrativos, 1,5 milhão de fazendeiros, trabalhadores e suas famílias têm uma melhor qualidade de vida. A certificação pela Rede de Agricultura Sustentável (RAS) garante que os grãos foram produzidos numa fazenda com água limpa, solo saudável e boas condições de trabalho.

Segundo o IBGE, o uso de agrotóxicos no Brasil aumentou 22% de 1997 a 2007. O uso indiscriminado de pesticidas na  cafeicultura afeta principalmente os assalariados que fazem aplicações nas lavouras. A maioria não utiliza equipamentos de proteção individual (EPI), que raramente são fornecidos pelos patrões.

Até 2020, o prejuízo da cultura do café por razões decorrentes de efeitos climáticos será de pelo menos 882 milhões e a queda da área apta ao plantio, de 9,48%. A indústria do café, assim como outros ciclos econômicos desde a exploração do pau-brasil até o plantio de fumo, foram desalojando a Mata Atlântica. Nos últimos 500 anos, sua floresta foi reduzida de 1,3 milhão de km quadrados para 91 mil km quadrados. Isso significa menos de 8% da sua extensão original, em áreas dispersas e fragmentadas.

GARRAFA DE ÁGUA

No Brasil são produzidas 550 mil toneladas de garrafas PET por ano, das quais boa parte é descartada na natureza. Segundo a Associação Brasileira da Indústria do PET (ABIT), em 2008, 14% do segmento correspondia ao mercado de água mineral.

São necessários 3 litros de água para produzir uma garrafa de 1 litro de água.

Em muitas cidades não é possível consumir água da torneira. Em seu projeto Think Outside the Bottle, a ambientalista Annie Leonard questiona os gastos por trás da água que bebemos, enquanto há bilhões de pessoas em acesso à água no mundo, os governos gastam milhões de dólares para cuidar do descarte da enorme quantidade de garrafas plásticas. A solução, segundo ela, seria inverter o foco e gastar o dinheiro melhorando o sistema de água que sai da nossa torneira. Comece em sua casa: compre um filtro e abandone a água engarrafada.

Apenas na etapa da produção, uma garrafa PET de 50 gramas acarreta um impacto ambiental de emissões atmosféricas de CO2 e gases equivalentes da ordem de 18 gramas.

Depois das etapas de produção, há o transporte do produto. Muita energia é gasta para fabricar embalagens resistentes para que a água possa "andar" por todo o planeta. Assim, uma garrafinha de água da França pode ser consumida aqui no Brasil. Depois do consumo, vem o descarte: 80% das garrafas acabam em aterros sanitários ou são incineradas.


(texto publicado na revista Vida Simples)





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