Em alta após seus filmes terem faturado US$ 6 bilhões, o comediante Ben Stiller deixa a palhaçada de lado e mergulha em seu projeto mais pessoal, A vida secreta de Walter Mitty
Não é novidade para ninguém que tenha assistido às trilogias Uma Noite no Museu (2006, 2009 e 2014), ainda inédito) ou Entrando Numa Fria (2000, 2004 e 2010): Ben Stiller tem cara de boboca.
Uma noite no museu
Como se fosse filho direto do casal Debi & Lóide, de 1994, Ben se especializou em ser o bocó de sua geração, assumindo um personagem sempre patético, para quem tudo dá errado (menos no final) e, por isso, simpático à plateia.
Mas é claro que Ben Stiller não é um bocó na vida real. As franquias acima renderam mais de US$ 2 bilhões em todo o mundo (e custaram menos de um quarto disso), elevando seu nome ao patamar dos poderosos de Hollywood. Considerando os cerca de 30 longas em que atuou (incluindo vozes na trilogia Madagascar), Ben é o "boboca" que ajudou o cinema a faturar US$ 6 bilhões.
E é com essa moral de dez dígitos que ele se senta em frente a dez jornalistas estrangeiros, incluindo Serafina, em um hotel-butique, em Nova York, para falar sobre seu novo filme. Não é um blockbuster como Uma Noite no Museu 3, com estreia prevista para 2014, mas um projeto mais pessoal chamado A Vida Secreta de Walter Mitty, que ele protagoniza, dirige e produz, e que estreia no Brasil no fim de dezembro. "Eu seria só o ator. Mas o estúdio não tinha um diretor e eu me identifiquei com a história. Acabei pedindo para dirigir", conta ele.
Ainda que tenha passagens cômicas, A Vida Secreta se aproxima mais de um drama de autoconhecimento e superação: Walter Mitty é um homem que vive num mundo de fantasia, sonhando coisas que gostaria de fazer, mas não faz por timidez ou falta de motivação.
Tudo muda (ou não seria um filme) quando Mitty, arquivista de fotos da revista Life, perde o negativo da foto que irá estampar a capa do último número da publicação, que deixará de ser impressa para virar um site. Para recuperar a imagem, Mitty seguirá os passos de seu ídolo, um fotógrafo vivido por Sean Penn. Na vida real, a Life, nascida em 1936, realmente acabou como revista em 2000, numa das mais significativas derrotas do jornalismo na era da internet.
"A ideia de um cara que sonha acordado foi imediatamente interessante pra mim. Conecto essa fantasia com o fato de ter algo dentro de mim que ainda não expressei. A pessoa que você é dentro da sua cabeça não se traduz para o mundo da maneira que você pensa. As pessoas se identificam com isso."
O par romântico do ator em A Vida Secreta é a atriz Kristen Wig, que divide com Ben um momento memorável: ela pega um violão e canta Space Oddity, de David Bowie, enquanto ele corre e pula para um helicóptero em movimento em uma terra de gelo. A cena é bela e eletrizante, provavelmente a melhor que ele já filmou em sua carreira.
Aos 47 anos, Ben Stiller é uma das caras mais conhecidas de uma geração de comediantes que começou a brilhar nos anos 2000, mas cuja gênese está em dois filmes de 1996.
O primeiro é O Pentelho, segundo longa dirigido por Ben. Além de contar com os astros Jim Carrey e Matthew Broderick, o filme trazia pontas do próprio diretor e de dois novos amigos, Jack Black e Owen Wilson. O outro é Pura Adrenalina, com os irmãos Owen e Luke Wilson e dirigido por Wes Anderson.
Turminha
Ali estava formado o núcleo duro do Frat Pack, apelido dado pela imprensa para o grupo que seria responsável por três dúzias de comédias nos 17 anos seguintes. A inspiração da alcunha veio de Rat Pack (quadrilha de ratos), que incluía os amigos Humphrey Bogart, Frank Sinatra, Dean Martin e Sammy David Jr., na Hollywood dos anos 1950 e 1960. Nos anos 1980, uma nova geração, formada por Emilio Estevez, Rob Lowe, Demi Moore e Molly Ringwald, virou a Brat Pack (quadrilha de moleques).
Já a Frat Pack tem suas origens nas fraternidades norte-americanas, aquelas congregações universitárias com nomes de letras gregas (alfa, zeta, ípsilon, pi, beta etc.) que batem ponto há três décadas nas comédias de Hollywood.
Elevado ao cargo de líder da Frat Pack, Ben afirmou, em 2006, que o rótulo não passava de invenção da imprensa, o que é verdade, mas também não é. O ator e seus amigos efetivamente formaram uma dessas irmandades dentro da indústria do cinema, sempre ajudando uns aos outros a conseguir papéis. Em 2004, por exemplo, toda a turma se reuniu em O Âncora: A Lenda de Ron Burgundy, Jack Black, Ben Stiller, Luke Wilson, Vince Vaugh, Will Ferrell e um novo integrante, Steve Carell.
Mas há também uma crítica velada no apelido, que deve incomodar a Ben: o humor um tanto rasteiro de vários de seus filmes, que lembra o "gênero fraternidades" dos anos 1980, como Porky's (1982) ou A Vingança dos Nerds (1984).
É isso que se vê efetivamente na maioria das obras da Frat Pack, como A Inveja Mata (2004) ou Trovão Tropical (2008). Ou no terrível Zoolander (2001), estrelado, dirigido, escrito e produzido por Ben.
O trunfo artístico que tanto faltava ao grupo acabou vindo de um agregado, o diretor Wes Anderson. Wes já havia sido notado quando dirigiu os irmãos Wilson em Pura Adrenalina. Martin Scorsese apontou o filme como um dos dez melhores dos anos 1990. Mas o diretor e a Frat Pack deslancharam mesmo após Os Excêntricos Tenenbaums (2001), com Ben e os Owen atuando em meio a grandes do cinema, como Gene Hackman, Anjelica Huston e Bill Murray.
Talvez seja com esse exemplo em mente que Ben tenha visto algo a mais no roteiro de A Vida Secreta de Walter Mitty. Walter é um personagem da minha idade, é o tipo de cara que faz parte de uma geração em transição. Temos uma conexão com o mundo pré-digital, onde nós crescemos, mas estamos totalmente imersos no digital agora. Viver nesses dois mundos e ver as mídias tradicionais, como o filme em película, irem embora é triste. Fiz questão de filmar em película. Era importante para mim que houvesse essa homenagem".
A transição parece ser mais profunda. Apesar de ter tido controle total do novo filme, Ben não chamou nenhum de seus colegas de confraria para fazer pontas ou aparições. Ao contrário, convidou um ou outro grande nome para contracenar. Além de Sean Penn, há Shirley MacLaine no papel da mãe de seu personagem. Após tanta palhaçada, Ben não quer mais brincar de ser boboca.
Starsky (Ben Stiller) e Hutch (Owen Wilson)
E é com essa moral de dez dígitos que ele se senta em frente a dez jornalistas estrangeiros, incluindo Serafina, em um hotel-butique, em Nova York, para falar sobre seu novo filme. Não é um blockbuster como Uma Noite no Museu 3, com estreia prevista para 2014, mas um projeto mais pessoal chamado A Vida Secreta de Walter Mitty, que ele protagoniza, dirige e produz, e que estreia no Brasil no fim de dezembro. "Eu seria só o ator. Mas o estúdio não tinha um diretor e eu me identifiquei com a história. Acabei pedindo para dirigir", conta ele.
Ainda que tenha passagens cômicas, A Vida Secreta se aproxima mais de um drama de autoconhecimento e superação: Walter Mitty é um homem que vive num mundo de fantasia, sonhando coisas que gostaria de fazer, mas não faz por timidez ou falta de motivação.
Tudo muda (ou não seria um filme) quando Mitty, arquivista de fotos da revista Life, perde o negativo da foto que irá estampar a capa do último número da publicação, que deixará de ser impressa para virar um site. Para recuperar a imagem, Mitty seguirá os passos de seu ídolo, um fotógrafo vivido por Sean Penn. Na vida real, a Life, nascida em 1936, realmente acabou como revista em 2000, numa das mais significativas derrotas do jornalismo na era da internet.
"A ideia de um cara que sonha acordado foi imediatamente interessante pra mim. Conecto essa fantasia com o fato de ter algo dentro de mim que ainda não expressei. A pessoa que você é dentro da sua cabeça não se traduz para o mundo da maneira que você pensa. As pessoas se identificam com isso."
O par romântico do ator em A Vida Secreta é a atriz Kristen Wig, que divide com Ben um momento memorável: ela pega um violão e canta Space Oddity, de David Bowie, enquanto ele corre e pula para um helicóptero em movimento em uma terra de gelo. A cena é bela e eletrizante, provavelmente a melhor que ele já filmou em sua carreira.
Aos 47 anos, Ben Stiller é uma das caras mais conhecidas de uma geração de comediantes que começou a brilhar nos anos 2000, mas cuja gênese está em dois filmes de 1996.
O primeiro é O Pentelho, segundo longa dirigido por Ben. Além de contar com os astros Jim Carrey e Matthew Broderick, o filme trazia pontas do próprio diretor e de dois novos amigos, Jack Black e Owen Wilson. O outro é Pura Adrenalina, com os irmãos Owen e Luke Wilson e dirigido por Wes Anderson.
Turminha
Ali estava formado o núcleo duro do Frat Pack, apelido dado pela imprensa para o grupo que seria responsável por três dúzias de comédias nos 17 anos seguintes. A inspiração da alcunha veio de Rat Pack (quadrilha de ratos), que incluía os amigos Humphrey Bogart, Frank Sinatra, Dean Martin e Sammy David Jr., na Hollywood dos anos 1950 e 1960. Nos anos 1980, uma nova geração, formada por Emilio Estevez, Rob Lowe, Demi Moore e Molly Ringwald, virou a Brat Pack (quadrilha de moleques).
Já a Frat Pack tem suas origens nas fraternidades norte-americanas, aquelas congregações universitárias com nomes de letras gregas (alfa, zeta, ípsilon, pi, beta etc.) que batem ponto há três décadas nas comédias de Hollywood.
Elevado ao cargo de líder da Frat Pack, Ben afirmou, em 2006, que o rótulo não passava de invenção da imprensa, o que é verdade, mas também não é. O ator e seus amigos efetivamente formaram uma dessas irmandades dentro da indústria do cinema, sempre ajudando uns aos outros a conseguir papéis. Em 2004, por exemplo, toda a turma se reuniu em O Âncora: A Lenda de Ron Burgundy, Jack Black, Ben Stiller, Luke Wilson, Vince Vaugh, Will Ferrell e um novo integrante, Steve Carell.
Mas há também uma crítica velada no apelido, que deve incomodar a Ben: o humor um tanto rasteiro de vários de seus filmes, que lembra o "gênero fraternidades" dos anos 1980, como Porky's (1982) ou A Vingança dos Nerds (1984).
É isso que se vê efetivamente na maioria das obras da Frat Pack, como A Inveja Mata (2004) ou Trovão Tropical (2008). Ou no terrível Zoolander (2001), estrelado, dirigido, escrito e produzido por Ben.
O trunfo artístico que tanto faltava ao grupo acabou vindo de um agregado, o diretor Wes Anderson. Wes já havia sido notado quando dirigiu os irmãos Wilson em Pura Adrenalina. Martin Scorsese apontou o filme como um dos dez melhores dos anos 1990. Mas o diretor e a Frat Pack deslancharam mesmo após Os Excêntricos Tenenbaums (2001), com Ben e os Owen atuando em meio a grandes do cinema, como Gene Hackman, Anjelica Huston e Bill Murray.
Talvez seja com esse exemplo em mente que Ben tenha visto algo a mais no roteiro de A Vida Secreta de Walter Mitty. Walter é um personagem da minha idade, é o tipo de cara que faz parte de uma geração em transição. Temos uma conexão com o mundo pré-digital, onde nós crescemos, mas estamos totalmente imersos no digital agora. Viver nesses dois mundos e ver as mídias tradicionais, como o filme em película, irem embora é triste. Fiz questão de filmar em película. Era importante para mim que houvesse essa homenagem".
A transição parece ser mais profunda. Apesar de ter tido controle total do novo filme, Ben não chamou nenhum de seus colegas de confraria para fazer pontas ou aparições. Ao contrário, convidou um ou outro grande nome para contracenar. Além de Sean Penn, há Shirley MacLaine no papel da mãe de seu personagem. Após tanta palhaçada, Ben não quer mais brincar de ser boboca.
Walter Mitty (Ben Stiller) e Sean O'Connell (Sean Penn)
(texto publicado na revista Serafina, suplemento da Folha de São Paulo, dezembro de 2013)
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