Que a maledicência é uma estratégia para promover os próprios interesses à custa do desconforto alheio, já se sabe há muito tempo. A ciência descobriu, porém, que a prática ajuda a manter o equilíbrio social e garante o bem-estar dos mexeriqueiros - pelo menos num primeiro momento
O hábito de falar mal da vida alheia é antigo: já na pré-história nossos ancestrais descobriram que era importante conhecer e repercutir os pontos fracos dos adversários - e eventualmente até de companheiros - para que se sentissem fortes e valorizados. Afinal, já naquela época informação era artigo valioso. Mas só nos últimos anos essa prática, tão típica do ser humano, passou a ser estudada cientificamente, e agora pesquisadores da Sociedade Britânica de Psicologia chegaram a uma descoberta que pode aplacar a culpa daqueles que se comprazem em disparar veneno contra alguém pelas costas: estudos sugerem que pelo menos num primeiro momento, a fofoca pode trazer alguns benefícios para quem a faz.
"Essa prática eleva os níveis dos chamados hormônios fundamentais para deflagrar a sensação de bem-estar, como a serotonina, o que ajuda a diminuir o estresse e a ansiedade", pelo menos imediatamente, diz o psicólogo colin Gill, um dos coordenadores do estudo. No entanto, se a culpa ou outros eventuais desdobramentos desagradáveis associados ao comentário maldoso desencadeiam mal-estar, ainda não foi pesquisado. O mais curioso talvez seja que o fato de falr de alguém com malícia tem função social: ajuda a criar vínculos entre os fofoqueiros. "Quando criticamos comportamentos e características de alguém que não está presente depositamos grande interesse no que o interlocutor tem a dizer e vice-versa. Assim, criamos laços que, consequentemente, nos fazem sentir felizes e provoca a liberação desses hormônios", observa Gill.
Mas não é só isso. Estudos indicam que a maledicência é um fenômeno social complexo, com outras implicações neurológicas. Sabe-se hoje, por exemplo, que nosso cérebro "prefere" deter-se em informações a respeito de pessoas que conhecemos. Qualquer um com quem convivemos (ainda que não pessoalmente, mas que vemos frequentemente na TV, por exemplo) se torna socialmente importante para nós. Esse funcionamento mental pode ajudar a entender o sucesso das revistas, sites e programas que se dedicam a revelar detalhes da vida pessoal de celebridades.
Segundo psicólogos evolutivos, na pré-história, quando os seres humanos viviam em pequenos bandos e o encontro com estranhos era ocorrência rara, a fofoca teve o papel de favorecer a sobrevivência de nossa espécie, coibindo comportamentos que pudessem enfraquecer o grupo. Um de seus papéis era o de identificar "enganadores flagrantes" (que não retribuem atos altruístas) e "enganadores sutis" (que oferecem muito menos do que recebem).
"Durante a fofoca são explicitados e reforçaados comportamentos e hábitos aceitos em cada sociedade", ressalta Gill. "Se alguém ergue a sobrancella enquanto conta algo sobre alguém, por exemplo, já sabemos que o comportamento ao qual a pessoa se refere não é aceitável." O pesquisador Roy F. Baumeister, da Universidade Estadual da Flórida concorda que a prática do "falar mal dos outros" é um meio de aprender regras não escritas de grupos sociais e de culturas, bem como uma maneira eficiente de lembrar às pessoas a importância das normas e dos valores que as cercam. Constitui ainda um impedimento aos comportamentos desagregadores e um meio de punição aos transgressores, o que ajuda a manter a dinâmica e a preservação do grupo.
De boca fechada
Um aspecto mais problemático da fofoca é que, em sua forma mais crua, é uma estratégia para promoção de interesses egoístas e da própria reputação à custa do desconforto alheio. Muitos, aliás, recorrem descaradamente aos boatos para se favorecer. Conta a história que o imperador romano Júlio César, por exemplo, costumava lançar mão desse artifício, pagando pessoas em ouro para espalhar informações comprometedoras sobre seus desafetos políticos. Esse lado cruel da fofoca geralmente ofusca os modos mais benignos pelos quais ela funciona na sociedade. Afinal, passar informações a alguém é sinal de profunda confiança, uma vez que está implícita a ideia de que essa pessoa não usará esses dados de maneira que tragam consequências negativas ao seu informante, ou seja, segredos compartilhados constituem uma maneira eficiente de criar vínculos. Um indivíduo que não esteja incluído na rede de fofocas do escritório é obviamente um forasteiro em quem os colegas não confiam ou que não é aceito.
Não se pode deixar de lado o fato de que a fofoca ajuda os grupos a funcionar. Talvez possa ser produtivo pensar nela como uma aptidão social. Fofocar "bem" tem a ver com ser um bom membro de equipe, compartilhar algumas informações importantes com outros, de preferência não em proveito próprio, e, calro, saber quando manter a boca fechada. Afinal, revelar indiscriminadametne tudo que ouvimos a qualquer um disposto a nos escutar mais cedo ou mais tarde atrairá a inevitável reputação de indigno de confiança.
(texto publicado na revista Mente cérebro)
Nenhum comentário:
Postar um comentário