Um casal de moradores de rua conhece a fama depois de devolver R$ 20 mil que encontrou em São Paulo
O morador de rua Rejaniel Jesus Silva dos Santos e sua companheira, Sandra Regina Domingues, ambos de 36 anos, chegaram ao fim da semana cansados. Não tinham ainda absorvido a fama instantânea depois que devolveram ao dono os R$ 20 mil que haviam encontrado num saco de lixo jogado na rua.
O dinheiro era fruto de um assalto ao restaurante Hakkai Sushi. Os dois devolveram tudo ao dono do restaurante, Miguel Kikuchi, de 42 anos. Como recompensa, Kikuchi fez uma oferta de emprego a ambos no restaurante, onde o piso salarial é de R$ 880. Antes de encontrar o dinheiro, Sandra e Rejaniel viviam com no máximo R$ 150 mensais. Por dia, carregavam 35 quilos de metais nas costas num ferro-velho. Às vezes recebiam de doadores anônimos um pacote de arroz ou macarrão. Rejaniel sempre sonhou com o dia em que um carro-forte quebrasse e ele pudesse fugir com malotes de dinheiro. Não teve jeito. Diante dos R$ 20 mil, decidiram rapidamente: "Vamos devolver o que não é nosso".
Como o caso se tornou público, os dois logo se viram diante de uma maratona de compromissos com a mídia, em que tentavam explicar a honestidade - para eles, uma qualidade natural. "Ontem era uma entrevista atrás da outra, quase não me aguentava em pé", dizia Sandra, na quarta-feira. No dia seguinte, Rejaniel partiria de avião para o Maranhão, para visitar a família, viagem oferecida por um programa de TV. Seria a primeira vez em seis meses que estariam a mais do que poucos metros de distância um do outro. Para quem não tinha uma casa ou uma família por perto, ficar longe de seu amor fazia Sandra puxar os cabelos, baixar a cabeça e se calar. "Ela pensa que eu não vou voltar. Que vou arrumar uma dez (mulheres)", dizia Rejaniel. "Você vai me deixar aqui com dois chifres enormes. Você é mulherengo", afirmava Sandra. "Sei que sou gostoso, mas nem tanto. Vou voltar inteiro", respondia Rejaniel.
Rejaniel saiu da terra da melancia, Arari, a duas horas da capital maranhense, São Luís, quatro meses antes de completar 20 anos. Seu irmão financiara uma passagem de ônibus até São Paulo. No dia seguinte, Rejaniel já dava entrada na documentação para trabalhar como auxiliar de limpeza numa obra. Só viu seu pai, morto quando Rejaniel tinha 3 meses, numa foto, que teme ter perdido. Aos 6 anos, Rejaniel perdeu também a mãe, vencida por uma doença no pulmão. "Deu para gravar a imagem dela na mente", diz.
Ele está há 16 anos em São Paulo. Há 13 não vê ou fala com parentes. Não lembra o último dia em que esteve com o irmão. Arrumou várias companheiras - uma baiana, uma paulista, uma mineira. Morou num albergue na Zona Leste e trabalhou como porteiro e ajudante-geral para a prefeitura de São Paulo, em caráter temporário. Ao fim de três meses, ficou sem nada. Catava latinha para manter seus dois vícios: fumar e beber.
A chegada de Sandra mudou tudo. Ela nasceu em Andirá, no Paraná, e fala pouco sobre seu passado. Deixou por lá dois filhos - de 2 e 4 anos. Rejaniel diz apenas que ela é brigada com a mãe. "Com ela, foi uma nova fase", diz. Sua mulher anterior brigava para que ele não bebesse. "Esta aqui", diz, apontando para Sandra, "bebe e fuma". Juntos, tentam se policiar para racionar e controlar os vícios. Conheceram-se enquanto ele vivia na calçada em frente à igreja da Comunidade São Martinho de Lima. Sandra passava com frequência pelo local e um dia pediu que ele acendesse seu cigarro. "Estamos juntos aos trancos e barrancos, ela sempre do meu lado".
Sandra nem documentos tem - por isso não pôde acompanhar Rejaniel na viagem ao Maranhão. Rejaniel não cansa de tranquilizá-la e promete não trai-la. "A vida nos ensina o que é bom e o que é ruim", diz ele. "Aprendi isso com o melhor professor. Aprendi com o mundo".
(texto publicado na revista Época de julho de 2012)
Nenhum comentário:
Postar um comentário