Diferente, dramática, impactante, Betty Lago chorava e gargalhava nas passarelas. Foi a última das grandes modelos performáticas
Quando Betty Lago reinou nas passarelas de Paris, as modelos não eram ninfetas mal saídas da adolescência que caminhavam com cara de enfado ou tristeza, apagando sua personalidade para que a roupa falasse mais alto, como cabides de luxo. Eram mulheres que, tal qual suas clientes, precisavam transmitir experiência e vivência no olhar. A ordem que vinha dos estilistas era seduzir a plateia e "vender a roupa", abrindo e fechando os casacos, colocando a mão na cintura com graça para valorizar o caimento, dando uma parada afetadíssima na frente dos fotógrafos. Seu papel era interpretar a mulher idealizada pelos costureiros para aquela coleção. E, definitivamente, não houve melhor intérprete do que Betty, uma atriz nata.
Desde que chegou a Paris, na metade dos anos 1970, para ser modelo - instigada e levada pelo marido, o ator Eduardo Conde, pai de seus dois filhos, Patricia e Bernardo -, Betty foi imediatamente abraçada por grandes nomes da moda, como Emanuel Ungaro, Hubert de Givenchu, Yves Saint Laurent e Valentino. Eram os tempos em que as manequins brasileiras começavam a deixar as cabines de provas das marcas para ganhar as passarelas em nome da novidadeira e efervescente diversidade étnica. Com um faro apuradíssimo para novas tendências, Betty se destacou ao priorizar os talentos emergentes que dominariam os anos 1980 com suas roupas e desfiles louquíssimos: Azzedine Alaïa, Claude Montana, Jean-Paul Gaultier e Thierry Mugler. A cada desfile, ela inventava uma personagem diferente, dramática, impactante. Olhava as clientes de cima, com o queixo e o nariz aristocrático arrebitados, ao mesmo que derramava lágrimas e caía em gargalhadas quando o tom da trilha sonora chegava ao ápice. As pessoas aplaudiam freneticamente suas entradas em cena. Foi a última das grandes modelos performáticas - e, por que não, a melhor de todas elas.
Conhecendo bem o limite de tempo da carreira, Betty, a indomável, se mudou para Nova York, onde estudou arte dramática. Nos intervalos, produziu desfiles no Brasil, passando aos conterrâneos sua ampla experiência nas grandes capitais fashion. De musa virou mestra.
Não demorou para que o autor Gilberto Braga identificasse seu potencial dramatúrgico e a convidasse, em 1992, para participar da minissérie Anos rebeldes, sobre a ditadura militar, na TV Globo. Outro aturo, Carlos Lombardi, faria dela uma estrela popular, dando-lhe, dois anos depois, o papel de uma perua ensandecida na novela de comédia escrachada Quatro por quatro. Desde então, virou especialista em fazer o público brasileiro rir, emendando uma novela atrás da outra.
Betty não esqueceu, contudo, sua paixão pela moda. Criou o GNT fashion, que comandou durante cinco anos, fez diversos programas sobre beleza, estilo e comportamento. Embora tenha morrido, no domingo, dia 13, do câncer de vesícula e fígado que combatia havia três anos, jamais foi vencida por ele. Guerreira e inquieta, fazia questão de frisar que não era uma doente, mas uma pessoa em tratamento. Transformou a careca em recurso de estilo, misturando lenços,brincões, maxi-colares. Em seu último ano, criou um divertidíssimo programa no Youtube, arrumou um namorado novo apaixonadíssimo e assumiu a temporada do reality Desafio da beleza, no GNT. Era uma máquina de pensar, que falava freneticamente devorando o ar. Tinha a pressa dos transgressores.
(texto publicado na revista Época nº 902 - 21 de setembro de 2015)
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