sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Sobrou para a coluna - Carla Ruas e Sílvia Lisboa


Não é só a má postura ou a tensão diária que estão por trás das dores nas costas. A ciência revela que exagerar na bebida alcoólica, fumar, viver deprimido e até ficar no meio de uma ventania podem despertar ou perpetuar esse martírio

E o vento trouxe... a dor

Parece que aquele conselho de vó de evitar correntes de ar mais intensas faz mesmo sentido. Pesquisadores da Universidade de Sydney, na Austrália, e da Universidade Federal de Minas Gerais resolveram tirar a limpo se as condições climáticas influenciavam o aparecimento de desconfortos na lombar - algo muito relatado por quem convive com a chateação. Após acompanhar 933 voluntários durante um ano e avaliar mudanças na temperatura e na umidade do ar, por exemplo, os investigadores descobriram que a friagem ou as chuvas em si não interferiam no problema. "O único fator em que observamos uma pequena associação foi a exposição a ventos de alta intensidade", conta a fisioterapeuta Leani Pereira, uma das brasileiras responsáveis pelo trabalho. Embora o elo entre ventanias e dores na coluna seja discreto, especialistas acreditam que dá para tirar uma nova recomendação daí. "Vou pedir aos pacientes que se protejam mais do vento", afirma o neurocirurgião Adriano Scaff, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. E por que será que as rajadas de ar chegam a afligir a lombar? "Suspeita-se que os ventos estimulem uma espécie de tratamento muscular", diz Scaff.

Quando a tristeza machuca

A dor na alma tem repercussões físicas. E estudos assinam embaixo. O último deles, debatido no encontro anual da Academia Americana de Cirurgiões Ortopédicos e baseado em dados em 26 milhões de pessoas, acusa uma íntima relação entre a depressão e dores nas costas.  "Quando o indivíduo tem dificuldades para lidar com sentimentos negativos, o corpo pode expressar esse conflito por meio de dores", explica a psicóloga Patrícia Mussoi, do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia, no Rio de Janeiro. Não é por menos que fatores psicológicos respondem por 16% dos incômodos na nunca ou na lombar, segundo um levantamento canadense publicado no periódico Pain. Se houver predisposição, a angústia sem fim sensibiliza o corpo à dor, e esta, por sua vez, abala o bem-estar emocional - é um círculo vicioso. "Por causa do problema nas costas, o sujeito abandona a atividade física e fica ainda mais triste, tudo que conspira para as dores persistirem", diz Patrícia. Uma hipótese que justifica essa ligação é o fato de que neurotransmissores na cachola que modulam o humor também participam do controle da dor. Por isso, em alguns casos, o tratamento do suplício físico cobra sessões com o psicólogo.

É fogo para a coluna

Quase todo mundo, em algum momento, vai enfrentar um episódio de dor nas costas - 80% da população do planeta, para sermos precisos. Mas quem fuma tem uma probabilidade muito maior de fazer parte dessa turma (e, pior, não sair mais dela). A conclusão vem do mesmo estudo americano que apontou o dedo para a depressão. Ele registrou que 16,5% dos fumantes sofriam com o perrengue na coluna, ante 3,7% dos não fumantes. É uma diferença expressiva, resultado dos danos que o tabagismo impõe aos vasos que irrigam as costas. Nesse contexto, há uma maior dificuldade de o organismo se livrar do lixo gerado pelas células musculares. Isso deixa a região imensa em um meio muito ácido, propício a espasmos na musculatura. Para complicar, o aperto nos vasinhos impede que analgésico naturais do corpo, como as endorfinas, cheguem ao local para aliviar a  situação. Aí já viu: é um cenário perfeito para o incêndio doloroso continuar. "Pessoas que fumam ainda não costumam se exercitar, o que torna os músculos mais flácidos e suscetíveis a contraturas", avisa Carlos Macedo, chefe do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas de Porto Alegre. Precisa dizer mais? Se for o seu caso, largue o cigarro.


G0les bem doídos

A lista de motivos para não se exceder na bebida alcoólica é looonga. E acaba de ficar maior: a dor nas costas entrou na parada. Palavra daquele mesmo estudo que escancarou o impacto do cigarro no sofrimento da coluna. No caso do álcool, pessoas que abusam têm nitidamente uma tendência maior à encrenca. A incidência é de 14,7% nesse grupo, diante de 4,4% entre os indivíduos que bebem socialmente. Embora seja complicado definir limites seguros, o alerta serve tanto a quem toma drinques diariamente como a quem deixa para encher o caneco no final de semana. "A dor lombar pode ocorrer na primeira fase da dependência alcoólica, quando se perde o controle e há repercussões negativas nos relacionamentos e no trabalho", afirma a psiquiatra Ana Cecilia Marques, presidente da Associação Brasileira do Estudo do Álcool e Outras Drogas. Isso porque altas doses etílicas atrapalham a absorção da vitamina B1 dos alimentos, facilitando uma  inflamação nas terminações nervosas e nos músculos. O álcool também desregula as substâncias internas que gerenciam as sensações de dor e bem-estar, contribuindo para que o incômodo na coluna vire crônico. Pelas suas costas, aprecie com moderação.

Mandamentos para a coluna ficar em paz

O que sugerem os experts como medidas de prevenção contra a dor nas costas

1) Ajuste a postura

Caminhe com a cabeça reta, o abdômen contraído e os pés alinhados com os joelhos e os quadris.

2) Mexa os músculos

Fortaleça a região abdominal com musculação, natação, hidroginástica, pilates...

3) Durma bem

Evite a posição de bruços. Se dormir com a barriga pra cima, use travesseiro baixo. De lado, melhor adotar um modelo alto.

4) Alongue-se

Esticar-se de vez em quando ajuda a prevenir as contraturas musculares que pesam para a coluna.

5) Não force

Se não está em forma, evite mudar móveis de lugar, arrastar malas e carregar caixas pesadas.

6) Sente direito

Tenha um apoio para a lombar e deixe os joelhos a 90º e os pés no chão. Levante vez ou outra.

7) Pense na mochila

Nada de carga pesada. Usar tiras bem presas às costas impede que um lado fique sobrecarregado.

8) Maneire no salto

Horas em pé de salto alto podem estorvar a lombar: vale alternar com chinelinho ou sapatilha.

9) Perca peso

Barriga demais puxa o centro de gravidade para a frente e a coluna sofre para não enxergar.

10) Relaxe

O estresse propicia contraturas musculares, além de sabotar o sono, a disposição e o humor.




(texto publicado na revista Saúde é vital nº 394 - setembro de 2015)

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