terça-feira, 22 de dezembro de 2015

A que ponto chegamos? - Mara Andrich


No Brasil, considerado um dos países mais ricos quando o assunto é água, a escassez deste líquido tão precioso já é realidade. Em alguns países, em um futuro muito próximo, o problema pode acarretar até mesmo em guerras

No mês de fevereiro de 2015, a Organização das Nações Unidas(ONU) divulgou um alerta mundial: em breve, muitos países poderão enfrentar conflitos por causa da falta de água. Segundo a ONU, daqui a apenas dez anos, 48 países não terão água suficiente para as suas populações, o que equivale a cerca de três bilhões de pessoas. E até 2030, a demanda por água doce do planeta deverá ser 40% maior do que a oferta.

Parece impossível, ou até mesmo desesperador, mas é algo que já era previsto, situação que já vinha se configurando há anos, pois há muito se fala em "economizar água", "sustentabilidade" etc. Mas, ao que parece, governos e sociedade não levaram isso muito a sério. Basta ver o cenário atual: muitas cidades, como a grande São Paulo, já enfrentam crise hídrica. Entidades internacionais, como a Conectas e a Aliança pela Água, das quais o Greenpeace faz parte, levantaram essa preocupação, em março deste ano, em São Paulo, durante a 28ª Sessão de Direitos Humanos da ONU.

Mas a quem pode ser atribuída a culpa pela falta de água? Será que realmente existem culpados que devam ser responsabilizados? Como o Administrador poderia auxiliar em uma gestão pública, por exemplo, no caso de crises como esta?

Somos responsáveis

Rodrigo Berté, autor do livro A Logística Reversa e as Questões Ambientais no Brasil, professor do mestrado Profissional Governança e Sustentabilidade do ISAE/FGV, PhD na área de Educação e Ciências Ambientais na UNED Madri - Universidade Nacional de Ensino à Distância e diretor de escola do Centro Universitário Internacional Uninter, acredita que a ausência de um processo de gestão compartilhada e de profissionalização da gestão pública seja uma das causas de todo o problema da crise hídrica.

Para ele, a falta de profissionais bem preparados na administração pública dificulta a discussão de temas que envolvem uma palavra-chave quando o assunto é falta de água: "planejamento". "Temos que entender que a prefeitura é a maior empresa da cidade, portanto, deve atender bem seus munícipes, em especial discutir e debater os problemas locais e regionais, o que não vem acontecendo", avalia.

No mês de fevereiro deste ano, a relatora especial da ONU para o Direito à Água e a Saneamento, Catarina Albuquerque, atribuiu ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), a responsabilidade pela falta de água no estado. Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, Catarina disparou seus argumentos sobre prevenção: "deveria haver um aumento exponencial do preço em relação ao consumo para garantir que quem consome mais pague muitíssimo mais", reclamou. Ela citou, inclusive, que em outros países, como os Estados Unidos e Japão, algumas medidas semelhantes a esta já são tomadas há muito tempo, além de sistemas de reaproveitamento da água serem adotados.

Durante este mesmo evento, Catarina ironizou a situação, de maneira preocupante, quando afirmou que as pessoas sempre atribuem este problema "a São Pedro". "O racionamento de água precisa ser previsto", alertou ela.

Questão lógica

Existem algumas questões lógicas que precisam ser analisadas quando o assunto é escassez de água. Se uma cidade cresce consideravelmente, consequentemente terá uma demanda crescente por água também (e por energia e outros). A engenheira civil e doutora em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental, presidente da Associação Brasileira de Recursos Hídricos, Jussara Cabral Cruz, explica que se a análise for feita pela oferta, há as causas naturais (efeitos do clima, como chuvas), a ocupação de territórios (o que reduz o estoque de águas subterrâneas e de lençóis freáticos, já que ambos dependem de uma boa capacidade de infiltração de águas), as indústrias, a produção agropecuária, a mineração, e por aí vai. "Tudo isso pode alterar significativamente o processo, com a criação de grandes áreas impermeabilizadas que impedem a boa infiltração das águas durante os períodos chuvosos", explica.

Somados a isso, ainda há outros agravantes, como a falta de saneamento (recentemente, o Unicef divulgou um relatório explicando que aproximadamente duas mil crianças com menos de 5 anos de idade morrem diariamente no mundo vítimas de doenças diarreicas, sendo que 1.800 dessas mortes estão ligadas à falta de saneamento, água contaminada  e falta de higiene em geral) e a infraestrutura deficiente - a falta de reservatórios de água, que são enchidos quando há períodos com maior oferta de chuva. Assim, entende-se que quando há grande demanda e baixa oferta, a conta não fechará, obviamente.

Jussara, assim como Rodrigo Berté, também defende o planejamento e reitera que ele não foi feito como deveria. "É necessário estabelecer estratégias de gerenciamento para uso sustentável e isso significa planejamento. Só que os planos devem conter ações voltadas para a garantia de oferta hídrica, bem como ter estratégias para reduzir o consumo, a redução de perdas e evitar o uso perdulário, a redução de desperdício", alerta. Além disso, Jussara completa dizendo que os planos prevem estoques. No entanto, ela observa que é muito difícil estabelecer planos de enfrentamento de crise no momento da crise, e que por isso é importante o planejamento.

Para uma das líderes mundiais pelo direito à água, autora do livro Água, Futuro Azul - Como Proteger a Água Potável para o Futuro das Pessoas e do Planeta para Sempre (do título original Blue Future, Protecting Water for People and the Planet Forever), Maude Barlow, a crise da água é uma das maiores ameaças à segurança de um país. Ela critica o enfrentamento atual,afirmando que os líderes e instituições mundiais estão lidando muito mal com a crise, sem planejamentos, pois esetão diagnosticando o problema erroneamente. "Frequentemente, a crise é vista como um sintoma das mudanças climáticas, mas na verdade é causada pelas emissões de gases de estufas e pelas massivas inundações provocadas pelas irrigações e pela exploração das águas subterrâneas", alerta.

Maude completa lembrando que entre as causas principais para a crise hídrica estão ainda a destruição das florestas no Brasil, o que consequentemente diminui a umidade e as chuvas, além das atividades agrícolas e pecuárias, principalmente aquelas ligadas à criação de gado, ao cultivo de feijão e cana de açúcar. Em março deste ano, o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) divulgou que os satélites identificaram indícios de desmatamento em uma área de 4.200 hectares, número 282% maior que o registrado em fevereiro de 2014.

Comida e energia comprometidas

Quando se pensa em falta de água, algumas ações básicas dos er humano vêm à mente, como tomar banho, preparar refeições, entre outras. No entanto, não é comum que as pessoas lembrem, de imediato, que a falta de água está ligada também à produção de energia, à indústria e, consequentemente, até mesmo á falta de comida. Tanto que a ONU já vem recomendando que a agricultura, por exemplo, estude novas técnicas para usar menos água e que a geração de energia também busque alternativas para a preservação maior da água e do meio ambiente em geral.

A engenheira civil e doutora em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental, presidente da Associação Brasileira de Recursos Hídricos, Jussara Cabral Cruz, vai além para aumentar o uso de biocombustível é necessário aumentar a produção agrícola e, consequentemente, a demanda de água. Ela também comenta da energia, que está cada vez mais cara, o que está diretamente ligado à crise hídrica.

Maude Barlow lembra que, há cinco anos, a Assembléia Geral dos Estados Unidos adotou algumas medidas para evitar a crise da água. Entre as medidas estão a conservação, a criação de planos de retenção, modelos de produção de comida e energia que não dependam tanto da água, comitês fortes, tanto nacionais quanto internacionais, que coloquem a água como central nas leis e até mesmo na segurança pública.

Compartilhando da opinião da relatora especial da ONU para o Direito à Água e a Saneamento, Catarina Albuquerque, o especialista Rodrigo Berté defende as medidas punitivas para se amenizar a situação caótica que já está instalada. E também critica o posicionamento do administrador público. "Além das punições, o gestor público deverá promover uma fiscalização para quem não promove o consumo consciente ou não faz o reuso de água no seu processo, seja na indústria ou no comércio", opina. Ele defende que os responsáveis pela escassez não são apenas os gestores públicos, mas também a sociedade, que não tomou as devidas precauções de consumo consciente.


(texto publicado na Revista Brasileira de Administração (RBA) ano XXIV - nº 105 - março/abril de 2015)

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