sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Neste ano, seja diferente - Walcyr Carrasco


Gente normal é chata. Ainda bem que, normais, poucos são. Nunca fui muito certinho e isso me fez abrir novos espaços na vida. Quando garoto, era tímido e gostava de ler. Os livros que li na adolescência contribuíram muito com minha formação, como escritor e pessoa. Óbvio, eram livros proibidos, na maioria das vezes. Como Gabriela, cravo e canela, de Jorge Amado. Minha mãe temia que ler um livro tão sexualizado não fosse bom para minha personalidade. Vamos ser francos: existe época melhor para ler sobre sexo do que a adolescência? Eu lia por safadeza. Gabriela ficou na minha memória, reli mais tarde e até adaptei para a televisão. Fez mal? Em meus livros infanto-juvenis, nunca escrevi sobre sexo. Não por achar o tema tabu. Mas por ter a convicção de que a molecada sabe muito mais do que eu poderia escrever. A maioria dos pais sonha com filhos comuns, com uma vida cheia de regras. Esquecem que aprontaram, e muito, quando jovens. Os pais de hoje são herdeiros da década de 1960, que inventou o amor livre. Conheço uma mulher que teve duas filhas solteira. Agora, tenta trancar as meninas, com 16 e 17 anos, para que não aconteça o mesmo com elas. Não era melhor dar pílula?

O ano começou, e está aqui uma proposta de vida. Em vez de fazer uma lista, incluindo novas tentativas de regime, academia, pilates e aulas de alguma coisa, por que não resolver, simplesmente, ser diferente? Fazer alguma coisa que nunca fez na vida? Não digo andar de patins - isso depende da idade. Mas, de repente, aprender uma nova língua, conhecer pessoas de outro ambiente? Ou iniciar um curso sem nenhum objetivo profissional, apenas para se divertir e mudar com o aprendizado? O engraçado é que, quando a gente faz coisas assim, acaba crescendo na vida. Digo por mim. Há anos fiz um curso de desenho. Até então, eu era bloqueado em tudo o que escrevia. No meio do texto, achava ruim e parava. Mas em desenho não tinha autocrítica. Não pretendia ser profissional. E me deliciei pintando vasos de flores, sem pretensão. De alguma maneira, a falta de autocrítica me influenciou como escritor. Cometi meus primeiros livros e peças de teatro. Muitas das peças eram pavorosas, hoje eu sei. Os críticos tinham horror. Mas e daí? Eu estava me divertindo! De peça em peça, fui aprendendo estruturas, me desenvolvendo como escritor e estou aqui, não?

Essa é a grande diferença entre quem é "normal" e quem não é. Aqueles que tentam seguir o fluxo da maioria da Humanidade seguem regras. Os outros se divertem, encaram a vida como uma grande aventura, como uma passagem a ser desfrutada. Até espiritualmente. Uma pessoa realmente religiosa desfruta a fé. Fazer o caminho de Santiago pode ser tão incrível como viajar de mochila para o Peru ou, mais fácil, encontrar um novo amor pela internet. É só não ter medo de você mesmo ou da opinião alheia. Recentemente, na Espanha, conheci uma mulher rica, da alta sociedade internacional. Outro dia estava em uma festa, um senhor perguntou o que ela fazia. Respondeu:
- Sou pintora e dessa maneira me prostituo, porque faço o que me pedem.
Ela se referia aos donos de galeria. Diante dos olhos arregalados a sua frente, ela percebeu que o homem não ouvira o início da frase. Pensava que era uma prostituta. Tentava disfarçar o choque. Em vez de desfazer o engano, ela está se divertindo. Já combinou com a dona da da casa outro jantar, com o mesmo sujeito. Sem explicar o engano. Outra poderia morrer de vergonha. Ela leva uma vida sem regras. Acho que vai acabar namorando o homem, fascinado por seu mistério. Claro que o dinheiro ajuda. Não ter de prestar contas a ninguém facilita tudo. Pessoas que dependem do salário mês a mês muitas vezes têm de fingir uma vida comum, mesmo que sejam um pouco loucas. No romance Babbitt, de Sinclair Lewis, os personagens são frustrados, justamente porque suas vidas são iguais, sua criatividade é sufocada. Têm uma vida mesquinha, enfim. Certa época, descobri que meus vizinhos faziam de tudo e se endividavam para ter um carro melhor que o meu. Pode haver objetivo mais tonto? Carro, roupa, casa maior, isso não significa nada. Você, sim, significa.

Então, se iniciou o ano cheio de promessas a si mesmo, abra mão de todas. Dê um presente a si mesmo. Faça alguma coisa maluca, inesperada, algo que nunca esperou fazer. Quebre o paradigma da "normalidade". Para ser criativo, não é preciso ser famoso. Mas, simplesmente, saber viver.




(texto publicado na revista Época nº 917 -- 11 de janeiro de 2016)


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