sexta-feira, 11 de março de 2016

Amizade sem preço - Rafael Balago e Amanda Massuela


Adoção de cães e gatos aumenta na cidade, mas exige cuidados; saiba como se preparar e onde encontrar seu novo animal de estimação

Às 10h do último domingo (12), Laica, 1, aproveita o sol da manhã para se esparramar num banco em frente à Matilha Cultural, no centro de São Paulo. A vira-lata só se move para encontrar espaço entre os braços de Patrícia Herver, 44, que a resgatou nas proximidades do pico do Jaraguá há cinco meses.

A cena muda com a chegada dos irmãos Fred Zara, 33, e Marília Chiarelli, 30. Laica logo se aproxima deles, pedindo colo. Após duas horas, Fred a leva para casa.

O começo da relação entre os dois foi o fim de uma busca que durou três meses. "Comprar para mim nunca fez sentido. Existem tantos cachorros abandonados nas ruas", diz Fred.

Assim como ele, muitos paulistanos têm optado por adotar em vez de comprar um filhote, que pode custar atgé R$ 3.000. No CCZ (Centro de Controle de Zoonoses), administrado pela prefeitura, as adoções de cães e gatos passaram de 1.117 em 2012 para 1.349 em 2014, aumento de 21%.

No Petz (antigo Pet Center Marginal), esse número cresceu 34% no período entre janeiro e maio deste ano na capital em relação a 2014, com 1.248 adoções. A marca supera a de filhotes vendidos. Eventos de adoção apoiados pela Pedigree encontraram lar para 10.549 cães na cidade desde 2008.

Outra tendência é o aumento da procura por vira-latas. "As pessoas estão derrubando preconceitos: 90% dos nossos cães adotados são SRD [Sem Raça Definida]", diz Marta Giraldes, coordenadora da Aila (Aliança Internacional do Animal).

"Pessoas de classe A e B  procuram bastante por vira-latas menos bonitinhos. Já as de classe C e D querem os de raça, mesmo sem saber falar os nomes. Pedem um 'pudi', querendo um poodle", comenta Claudia Demarchi, presidente do Clube dos Vira-Latas.

No CCZ, os cães de raça seguem muito procurados. "Quando chegam filhotes assim, as pessoas quase saem no tapa por  eles", brinca Fernando Hosomi, veterinário do local.

Assim como na adoção de crianças, os mais velhos são preteridos, mas há exceções. A advogada Silviane Palermo, 27, levou para casa a poodle Angelina, 10, que tem tumores espalhados pelo corpo e um problema congênito no coração. "Sou muito feliz e grata pelo tempo que terei com ela. E, no dia em que pegar outro, será um adulto também. Filhotes são como criança pequena que tira tudo do lugar, quer brincar. Os maiores são mais comportados."

"Ter um pet reduz o estresse, pois a pessoa esquece das outras coisas enquanto cuida dele", afirma Mauro Lantzman, veterinário e professor de psicologia da PUC-SP. "Para idosos, ajudam muito na socialização."

Todas as entidades de adoção deixam claro que a decisão de adotar deve ser tomada sem impulsos. As fases do processo, um tanto burocráticas, funcionam como um teste. "Se a pessoa não tem paciência de falar sobre o tema durante 30 minutos, como vai ter calma par cuidar de um cão?", questiona Hosomi, do CCZ.

Por lá, a entrevista começa como uma conversa informal, para obter informações confiáveis. Entre os pontos mais sensíveis, estão a falta de consenso da família.

A partir das respostas, são indicados animais que se adequem ao perfil do interessado. De acordo com dados do CCZ, nas últimas décadas, cresceu a procura por gatos, que demandam menos tempo dos donos. Porém, os cães ainda ganham: em 2014, forma levados 705 deles, contra 644 felinos.

Terminado o processo, o animal é entregue vacinado, vermifugado e castrado. Ao adotar por meio de ONG, o pet deve ser entregue nas mesmas condições, por determinação da lei.

No CCZ, os adotados também recebem uma plaquinha de identificação com o número do RGA (Registro Geral de Animais) e um chip. Assim, em caso de perda, é possível identificá-lo. Na cidade de São Paulo, já foram registrados 1,8 milhão de indivíduos. Qualquer animal doméstico pode ser cadastrado e receber o chip, que fica sob a pele, por R$ 2,20. O aparato guarda os dados, mas não permite rastreá-lo via GPS.

De acordo com veterinários, a castração reduz a agressividade, a dominação de territórios e o risco de câncer.

A esterilização ajuda ainda a eliminar o número de animais de rua. Estimativa da OMS (Organização Mundial da Saúde) aponta que há 30 milhões de bichos nessa situação no Brasil.

"A formação do vínculo afetivo com o animal leva em torno de um mês, mas precisa haver interação para que ele se crie", explica Lantzman, da PUC. "Sem isso, há grande chance de ocorrer abandono."

"Adotar requer investimento emocional e financeiro, como vacinas, banho e ração", lembra Fabiana Avelar, coordenadora de animais de Zoetis, fabricante de produtos para pets. Por mês, o gasto mínimo com um cão pequeno pode passar de R$ 300, sem contar cuidados veterinários.

Expulsar um animal próprio de casa ou a recusa em recebê-lo de volta gera processo criminal, punido com multa e prestação de serviços comunitários. Mesmo com essas regras, o abandono ainda é bastante comum.

Tanto que várias entidades que cuidam dos animais preferem não revelar seus endereços. "Já deixaram cachorros amarrados na entrada", diz Anderson Ferreira, da Cão Sem Dono.

Faltam vagas nas instituições, pois o trabalho de recuperação de um cão leva semanas. O animal recolhido passa por cuidados médicos e recebe adestramento para reaprender a conviver com os humanos antes de ser apresentado ao público.

O consultor Renato França, 33, adotou duas vira-latas, mas percebeu que consegue cuidar só de uma. Agora, procura um lar para Olívia, adotada após ter fotos exibidas numa rede social. "Me apeguei e fiquei exigente para escolher quem vai levá-la." 



(texto publicado na revista sãopaulo da Folha de S. Paulo de 19 a 25 de julho de 2015)





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