quinta-feira, 31 de março de 2016

Ser bom por quê? - Jairo Bouer


Generosidade talvez seja um dos principais norteadores que nos fizeram chegar até aqui, vivendo em sociedades e grupos cada vez maiores e mais complexos. Mas, além de ela não ser uma prerrogativa exclusivamente nossa, humana, parece que anda rareando cada vez mais entre nossos pares nos dias que encerram o ano de 2015.

Como explicar um ataque bárbaro de fundamentalistas a uma das principais cidades do mundo. Paris? Como entender o mar de lama que arrasou rios, vilarejos e provocou uma das piores catástrofes ambientais da história do Brasil? Como tolerar a persistente violência contra mulheres, que atravessa os séculos em nossa terra? Como justificar o desejo de se manter a todo custo no poder, que faz com que muitos dos nossos partidos e políticos envergonhem diariamente a população?

Ser generoso é ter um olhar mais amplo, que enxerga mais longe e supera eventuais diferenças e dificuldades. É conseguir ter empatia, se colocar no lugar do outro, entendendo seu sofrimento e suas necessidades. É poder, sem abrir mão de crenças e princípios, ajudar quem precisa. É conseguir romper as amarras egoístas e narcisistas que nos fazem focar apenas em nossas próprias questões. É estar aberto para mudar o tempo todo, se reinventar, à medida que o mundo assim exigir. É poder ajudar e permitir que sejamos ajudados.

Durante muito tempo, se imaginou que altruísmo, bondade e generosidade eram atributos quase exclusivamente humanos. O tempo, as pesquisas e as imagens nos mostram que muitos animais também agem para ajudar outros da mesma espécie e, muitas vezes, até de espécies distintas. Mas, sem dúvida alguma, somos os que mais se valeram dessa possibilidade para construir arranjos comunitários cada vez mais intricados e sofisticados.

Infelizmente, apesar de amplo uso que fizemos da generosidade em nossa evolução, estamos devendo muito nesse quesito, tanto para o mundo como para nós mesmos! Sendo a espécie que controla e impacta com mais força à Terra, precisamos ter mais cuidado com o habitat que nos cerca, nem que isso signifique abrir mão, em alguma extensão, de prerrogativas e de confortos. Sem isso, podemos estar inviabilizando a vida das próximas gerações, humanas ou não. 

Sem reavaliar a relação que temos com o poder e o mau hábito de tentar limitar o que os outros são e podem fazer, impondo um sistema de crenças que imobilize os demais, vamos tornando a coexistência cada vez mais difícil por aqui. Criamos hostilidades, disputas, ódio e guerras! Abrimos mão da capacidade de cuidar do outro, de abrir espaços, de criar redes de colaboração e de solidariedade. Vamos perdendo nossa humanidade e nos tornando mais monstruosos!

Ser bom por quê? Ser generoso para quê? Porque, se cada um de nós não mudar e não conseguir fazer sua parte, o tecido social que vai se constituindo fica cada vez mais frágil, mais fácil de ser rompido. E, quando isso acontece, talvez tudo o que foi feito pelos nossos antepassados para que a gente chegasse até aqui vai perdendo a razão e o sentido. A humanidade, o mundo e as pessoas vão deixando de ser. É uma perda para todos!



(texto publicado na Revista da Cultura edição 101 - dezembro de 2015)

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